Premonição do fim trágico do Profeta Jesus
1. Examinamos os “milagres” de Jesus de Nazaré calmar a
tempestade no mar e a cura do possesso de Gerasa a partir de um ponto de vista
que leva em consideração as implicações da imagem do “mar” para a política
imperialista. Vimos que a tempestade acalmada causou medo e perplexidade entre
os discípulos (cf. Mc 4,41). A cura do possesso de Gerasa induziu os habitantes
da região pedir Jesus para sair do seu território, visto que os gerasenos valorizavam
mais seus porcos do que um concidadão libertado dos espíritos maus!
2. Agora analisaremos a cura da mulher hemorroíssa e a ressurreição
da menina (cf. Mc 5,21-43; Mt 9,18-26; Lc 8,40-56). Jesus, voltando da terra
dos gerasenos para o outro lado do mar encontra-se no meio de uma grande
multidão. Um dos chefes da sinagoga, Jairo, vem pedir socorro porque sua filha
está morrendo. Prontamente Jesus vai com ele e a multidão vai junto,
apertando-o de todos os lados.
De repente uma mulher que sofria de hemorragia durante doze
anos tocou na veste de Jesus e sentiu-se curada. Com efeito, ela tinha gasto
tudo o que tinha para custear seu tratamento médico, sem que haja nenhuma
melhora na sua condição. Ela ficou sabendo de Jesus, o rabino de Nazaré, e
movida pela sua fé e a esperança de cura, aproximou-se dele na anonimidade no
meio da multidão, tocou nele e sua fé foi amplamente recompensada. Entretanto,
Jesus percebeu que força tinha saído dele e faz o necessário, descartando os
protestos dos discípulos ignorantes, para tirar a mulher do seu anonimato e coloca-la
em evidência e elogiar sua fé.
Nisso chegaram emissários da casa de Jairo anunciando a
morte da menina. Não era mais preciso importunar o Mestre, disseram. Mas, Jesus,
que escutou a conversa, aconselhou o pai da menina a ter coragem e ter fé; continuou
sua caminhada para a casa da falecida, acompanhado apenas pelos três dos seus:
Pedro, Tiago e João. Lá em casa os ritos fúnebres já estavam em progresso. A
observação de Jesus de que a menina estava apenas dormindo e não estava morta,
só produziu zombaria geral.
Todavia, Jesus fez com que todos saíssem; tomou consigo o
pai e a mãe da criança junto com seus acompanhantes, entrou onde a criança
estava. Pegou-a pela mão e pediu-lhe para se levantar. Imediatamente a menina,
de doze anos, levantou-se e começou a andar. Jesus proibiu que divulgassem o
acontecido e que dessem de comer para a menina.
Há alguns elementos notáveis neste episódio. Protagonistas
neste relato são: uma mulher que sofria de hemorragia durante doze anos; a
outra é uma menina de doze anos, prestes, normalmente, para se tornar mulher,
mas agora é apenas um cadáver. A primeira, na sua condição de hemorroíssa, toca
em Jesus, se salva, porém tecnicamente torna Jesus “impuro”. A segunda é tocada
por Jesus e este contato físico restaura para ela a possiblidade de se tornar
mulher.
É conveniente recordar que naquele tempo a mulher era vítima
da desigualdade social que reinava. Ela era mais uma entre as posses do varão. As
duas da nossa história, isto é, a hemorroíssa e o cadáver, foram libertados das
suas condições de exclusão pelo encontro libertador com Jesus de Nazaré. Neste
processo libertador, o Nazareno, contrariou as leis da pureza em vigor. Não é este
fato que o autor quer nos comunicar com a frase: “Jesus ordenou expressamente
que ninguém soubesse disso?” Mais uma vez, Jesus se posiciona no lado dos necessitados,
contrariando as determinações dos poderosos tradicionais.
3. Na sequencia dos textos no Evangelho de Marcos está a
rejeição que Jesus sofre em Nazaré, sua terra natal (cf. Mc 6,1-6a; Mt
13,53-58; Lc 4,16-30). Ao voltar para Nazaré, depois de se tornar famoso, ele é
recebido com grande incredulidade. Boa parte da população, que pretendia
conhecer suas origens humildes, partilhava do preconceito de Natanael que fez a
pergunta: “De Nazaré pode vir algo de bom”? (Jo 1,46). Será que o que Jesus
enfrentou em Nazaré não é muito parecido com o que Ex-Presidente Lula sofre
hoje? Afinal, Lula como Presidente, fez acontecer no Brasil um milagre
socioeconômico (mundialmente reconhecido) para o enorme desgosto da elite
tradicional brasileira preconceituosa.
O texto de Marcos é sucinto, enquanto no Evangelho de Lucas
tem detalhes que evidenciam o perigo de vida que Jesus corria na sua terra
natal! O último versículo: “Jesus, porém, passando pelo meio deles, seguiu seu
caminho” (Lc 4,30) pede a ser entendido como o resultado do agir dos amigos e
simpatizantes da causa do Nazareno para protegê-lo dos esquemas nefastos das
elites; tomando nota de que ainda em nossos dias se manipulam e falsificam
processos judiciais além de abusar do poder de maneira que evidencia grande
carência de idoneidade, para eliminar aqueles que opõem aos seus esquemas criminosos
no poder.
4. Nesta situação é que Marcos nos reporta a missão do doze
(cf. Mc 6,6b-13; Mt 10,5-15; Lc 9,1-6). É uma medida que amplia o escopo do
trabalho de Jesus. O Nazareno deu aos seus missionários autoridade bastante
para realizar sua missão. Podemos resumir as instruções quanto à modalidade,
recursos etc. assim: providenciar o necessário e confiar na providência divina.
Os missionários partiram e pregavam para que todos mudassem de vida. Expulsavam
muito demônios e curavam doentes ungindo os com óleo.
5. Agora vem um texto de 16 versículos, um texto cumprido
pelos padrões do autor do Evangelho de Marcos; este texto conta a história da
execução de João Batista (cf. Mc 6,14-29; Mt 14,1-12; Lc 9,7-9). É um texto
extraordinário pelo seu poder evocativo e o profetismo. O rei Herodes, apenas
um vassalo do império romano, foi informado das atividades de Jesus de Nazaré.
Havia diversas opiniões sobre este rabino itinerante da Galileia. Uns o
identificavam com Elias, outros com um dos antigos profetas, agora
ressuscitado. Um terceiro grupo o identificou com João Batista, degolado por
Herodes, o mercenário dos imperialistas. O próprio Herodes aceitou essa
terceira opinião.
Herodes estava sempre atento a toda expressão de
insatisfação popular contra o sistema; no primeiro sinal de alguma expressão,
ele agia energicamente para coibir a possibilidade de revolta. Por sua parte,
João Batista tinha levantado muitas expectativas com suas criticas ao sistema
podre mantido pelo rei Herodes e a cúpula religiosa centrada no templo de
Jerusalém. O questionamento que João fez de Herodes por tomar sua cunhada
Herodíades para si, causou a prisão de João Batista.
Herodes ofereceu um banquete aos notáveis da Galileia na ocasião
do seu aniversário. Durante o evento, Salomé, a filha de Herodíades apresentou
um espetáculo de dança que conquistou a admiração dos presentes. O rei,
emocionado, prometeu presentear a moça com qualquer coisa que ela pediria.
Salomé consultou sua mãe e pediu a cabeça de João Batista num prato. Logo, a
mando do rei, carrascos decapitaram o profeta e trouxeram sua cabeça num prato
que a dançarina aceitou e levou para sua mãe que tinha motivos fortes para
fazer João perecer!
6. Que a carne do povo é devorada nos banquetes dos
poderosos é algo que encontramos já nos profetas antigos que condenavam as
praticas desumanas dos reis que governavam o povo de Deus (cf. Mq 3,3). Na ordem
em que o autor do Evangelho de Marcos posicionou este texto no seu texto, ele
serve como uma premonição do destino do Jesus, o profeta de Nazaré.
Entretanto, em meio à crueldade grosseira, horripilante dos
detalhes deste episódio, será que não surge uma alerta para nós? Nós vivemos um
momento de vitória de obscurantismo que promove a nova escravização do povo
brasileiro. Este obscurantismo (o neoliberalismo globalizado) utiliza as
reformas promovidas pelos que substituíram o governo legítimo em 2016 e agora por
aqueles que ganharam um pleito conduzido no estilo fraude-jato que continuarão
a tirar a carne dos pobres a devorar em suas festas suntuosas (lucros vultosos
para os mais ricos a custa de maior miséria pra os mais pobres). É possível por
alguém que segue Jesus escapar o fim trágico do próprio Jesus, se corajosamente
resistir às injustiças sociais hodiernas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário