segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (2)


Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (26)

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (2)

4. Continuamos examinando os textos que narram o milagre da multiplicação dos pães. O Evangelho de Mateus, antes de apresentar o episódio de multiplicação dos pães (Mt 14,13-21), nos explica primeiro o porquê de Jesus decidir a ir a um lugar afastado. É a notícia da execução de João Batista (cf. Mt 14,12). Ao chegar lá, encontra uma multidão já reunida a sua espera. Encheu-se de compaixão por ela e curou dos doentes. Os detalhes da narrativa do “milagre”, que aconteceu ao entardecer são semelhantes ao que temos na narrativa de Marcos (cf. Mc 6,30-44). Diante da necessidade de alimentar uma multidão num lugar afastado a solução tradicional capitalista comercial de comprar o necessário é considerada inviável e Jesus manda seus discípulos organizar a multidão para usufruir os parcos recursos disponíveis.

 O gesto eucarístico que vem em seguida enfatiza a radical novidade que a comunidade que celebra a Eucaristia é capaz de efetuar na sociedade, pois ela vive a constante partilha dos recursos disponíveis de acordo com critérios que Jesus de Nazaré aplicava na sua práxis. Este comportamento anticapitalista vai fomentar revolução social pelo critério usado: a necessidade de cada um e não a capacidade de alguns poucos para acumular todo o possível. No entanto esse novo critério assegura a satisfação das necessidades de todos e até deixa sobra considerável. Vale notar que, desde sempre, as elites criminalizam qualquer atividade que implanta igualitarismo por ela fazer com que os dominadores tradicionais perdessem seus privilégios e mordomias.

5. Também no evangelho de Lucas, o texto que fala da multiplicação dos pães (Lc 9,10-17) é posicionado depois dos textos que falam do retorno dos discípulos da sua missão e o de receber a notícia da procura de Herodes, que “queria ver Jesus” (Lc 9,7-9). É que este o vassalo hediondo dos imperialistas romanos, tinha degolado João Batista, numa operação parecida com a “fraude-jato” dos nossos dias. Numa versão primitiva desta operação fraudulenta que, em nossos dias criminalizam as nossas lideranças políticas que usaram as estruturas governamentais tradicionais, antes usadas para manter o povo brasileiro em indigência, para melhorar a situação econômica dos mais pobres, Herodes e seus “cidadãos de bem” silenciaram, ou imaginavam que tinham conseguido silenciar tudo que João representava ao degolá-lo! É por isso que Herodes, quando ficou sabendo das atividades de Jesus de Nazaré, ficou convencido de que o Nazareno era o próprio João Batista ressuscitado e é por isso “queria ver Jesus”.

Em seus detalhes o episódio é semelhante ao que já lemos nos evangelhos de Marcos e Mateus. Resumidamente: Jesus procura afastar-se da multidão e vai para o outro lado do lago para ter sossego (segurança?) e um momento com seus discípulos só. Mas, a multidão já estava lá aguardando sua chegada. Jesus acolheu a bondosamente, ensinou-lhe sobre o Reino de Deus e curou os que precisavam. Ao entardecer os discípulos pedem Jesus para despedir a multidão; no entanto ele confiou a eles a tarefa de alimentá-la. Diante da situação de impossibilidade de aplicar a solução comum comercial capitalista, a narrativa de Lucas nos diz que houve recurso à solução solidária, fraterna, igualitarista que a Eucaristia promove. Os discípulos são autorizados para organizar a multidão como também para fazer a distribuição equitativa; há suficiente para suprir as necessidades de todos e tem sobra considerável.
6. Por sua vez o autor do Evangelho de João, que tem sua própria Cristologia, apresenta a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15) como o quarto dos sete “sinais” que explicita o personagem do “verbo que se fez carne”, isto é, Jesus de Nazaré. A narrativa se encontra depois do texto que trata da cura controvertida do enfermo na beira da piscina num dia de sábado (cf. Jo 5,1-47), Este terceiro sinal, a cura, levanta contestações sobre a identidade e a autoridade do Nazareno agir desta maneira inusitada. Entretanto Jesus insiste na sua sintonia com o Pai para agir de maneira apropriada, mesmo no dia de sábado, para proporcionar uma vida da qualidade para quem precisar, e assim retomar o sentido original da observância do sábado (cf. Ex 16,29-30; 20,8 especialmente a nota na Bíblia de Jerusalém). Contra a perseguição da parte dos seus adversários “judeus”, Jesus invoca o testemunho de João Batista (cf. Jo 5,35ss), as Escrituras (cf. Jo 5,39ss) e o próprio Moisés (cf. Jo 5, 45ss) a seu respeito.

É nesta situação tensa, próxima a Páscoa dos Judeus, mas longe de Jerusalém, o centro de poder oficial, que Jesus realiza a multiplicação dos pães. Há uma grande multidão que precisa ser alimentada. A solução convencional comercial capitalista não é aplicável. O que está disponível é considerado insuficiente, a primeira vista. A multidão é organizada para cada um receber o necessário e prevenir e os mais astuciosos acumulem além do que é necessário. Assim como nos sinóticos, aqui também são os discípulos responsáveis pela nova ordem social e a distribuição dos pães após a realização do gesto eucarístico. Todos comeram e ficaram satisfeitos e a sobra, uma quantia considerável é recolhida.

O autor de João faz questão de nos informar que no sinal da multiplicação dos pães que Jesus realizou, ele foi visto como “o Profeta que vem ao mundo” e houve um movimento para fazer dele um rei e é por isso que ele se retirou sozinho para a montanha. (cf. Jo 6,14-15). O Nazareno antecipou as consequências do resultado desta leitura interesseira do seu messianismo. Podemos afirmar que a reação de Jesus aponta para a radical novidade do Reino que ele proclamava e sua incompatibilidade com o sistema tradicional de meritocrático vigente.

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