Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (26)
Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (2)
4. Continuamos examinando os textos que narram o milagre da
multiplicação dos pães. O Evangelho de Mateus, antes de apresentar o episódio
de multiplicação dos pães (Mt 14,13-21), nos explica primeiro o porquê de Jesus
decidir a ir a um lugar afastado. É a notícia da execução de João Batista (cf.
Mt 14,12). Ao chegar lá, encontra uma multidão já reunida a sua espera.
Encheu-se de compaixão por ela e curou dos doentes. Os detalhes da narrativa do
“milagre”, que aconteceu ao entardecer são semelhantes ao que temos na narrativa
de Marcos (cf. Mc 6,30-44). Diante da necessidade de alimentar uma multidão num
lugar afastado a solução tradicional capitalista comercial de comprar o
necessário é considerada inviável e Jesus manda seus discípulos organizar a
multidão para usufruir os parcos recursos disponíveis.
O gesto eucarístico
que vem em seguida enfatiza a radical novidade que a comunidade que celebra a Eucaristia
é capaz de efetuar na sociedade, pois ela vive a constante partilha dos
recursos disponíveis de acordo com critérios que Jesus de Nazaré aplicava na
sua práxis. Este comportamento anticapitalista vai fomentar revolução social pelo
critério usado: a necessidade de cada um e não a capacidade de alguns poucos
para acumular todo o possível. No entanto esse novo critério assegura a
satisfação das necessidades de todos e até deixa sobra considerável. Vale notar
que, desde sempre, as elites criminalizam qualquer atividade que implanta
igualitarismo por ela fazer com que os dominadores tradicionais perdessem seus
privilégios e mordomias.
5. Também no evangelho de Lucas, o texto que fala da multiplicação
dos pães (Lc 9,10-17) é posicionado depois dos textos que falam do retorno dos
discípulos da sua missão e o de receber a notícia da procura de Herodes, que
“queria ver Jesus” (Lc 9,7-9). É que este o vassalo hediondo dos imperialistas
romanos, tinha degolado João Batista, numa operação parecida com a “fraude-jato”
dos nossos dias. Numa versão primitiva desta operação fraudulenta que, em
nossos dias criminalizam as nossas lideranças políticas que usaram as
estruturas governamentais tradicionais, antes usadas para manter o povo
brasileiro em indigência, para melhorar a situação econômica dos mais pobres, Herodes
e seus “cidadãos de bem” silenciaram, ou imaginavam que tinham conseguido
silenciar tudo que João representava ao degolá-lo! É por isso que Herodes, quando
ficou sabendo das atividades de Jesus de Nazaré, ficou convencido de que o
Nazareno era o próprio João Batista ressuscitado e é por isso “queria ver
Jesus”.
Em seus detalhes o episódio é semelhante ao que já lemos nos
evangelhos de Marcos e Mateus. Resumidamente: Jesus procura afastar-se da multidão
e vai para o outro lado do lago para ter sossego (segurança?) e um momento com
seus discípulos só. Mas, a multidão já estava lá aguardando sua chegada. Jesus
acolheu a bondosamente, ensinou-lhe sobre o Reino de Deus e curou os que
precisavam. Ao entardecer os discípulos pedem Jesus para despedir a multidão; no
entanto ele confiou a eles a tarefa de alimentá-la. Diante da situação de
impossibilidade de aplicar a solução comum comercial capitalista, a narrativa
de Lucas nos diz que houve recurso à solução solidária, fraterna, igualitarista
que a Eucaristia promove. Os discípulos são autorizados para organizar a
multidão como também para fazer a distribuição equitativa; há suficiente para
suprir as necessidades de todos e tem sobra considerável.
6. Por sua vez o autor do Evangelho de João, que tem sua
própria Cristologia, apresenta a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15) como o
quarto dos sete “sinais” que explicita o personagem do “verbo que se fez carne”,
isto é, Jesus de Nazaré. A narrativa se encontra depois do texto que trata da
cura controvertida do enfermo na beira da piscina num dia de sábado (cf. Jo
5,1-47), Este terceiro sinal, a cura, levanta contestações sobre a identidade e
a autoridade do Nazareno agir desta maneira inusitada. Entretanto Jesus insiste
na sua sintonia com o Pai para agir de maneira apropriada, mesmo no dia de
sábado, para proporcionar uma vida da qualidade para quem precisar, e assim
retomar o sentido original da observância do sábado (cf. Ex 16,29-30; 20,8 especialmente
a nota na Bíblia de Jerusalém). Contra a perseguição da parte dos seus
adversários “judeus”, Jesus invoca o testemunho de João Batista (cf. Jo
5,35ss), as Escrituras (cf. Jo 5,39ss) e o próprio Moisés (cf. Jo 5, 45ss) a
seu respeito.
É nesta situação tensa, próxima a Páscoa dos Judeus, mas
longe de Jerusalém, o centro de poder oficial, que Jesus realiza a
multiplicação dos pães. Há uma grande multidão que precisa ser alimentada. A
solução convencional comercial capitalista não é aplicável. O que está
disponível é considerado insuficiente, a primeira vista. A multidão é organizada
para cada um receber o necessário e prevenir e os mais astuciosos acumulem além
do que é necessário. Assim como nos sinóticos, aqui também são os discípulos
responsáveis pela nova ordem social e a distribuição dos pães após a realização
do gesto eucarístico. Todos comeram e ficaram satisfeitos e a sobra, uma
quantia considerável é recolhida.
O autor de João faz questão de nos informar que no sinal da
multiplicação dos pães que Jesus realizou, ele foi visto como “o Profeta que
vem ao mundo” e houve um movimento para fazer dele um rei e é por isso que ele
se retirou sozinho para a montanha. (cf. Jo 6,14-15). O Nazareno antecipou as
consequências do resultado desta leitura interesseira do seu messianismo. Podemos
afirmar que a reação de Jesus aponta para a radical novidade do Reino que ele
proclamava e sua incompatibilidade com o sistema tradicional de meritocrático vigente.
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