Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (32)
O Segundo anúncio da Paixão
Entre a primeiro anúncio da Paixão (cf. Mc 8,34-38) e o
segundo, (cf. Mc 9,30-37) todos os três evangelhos sinóticos falam da
transfiguração (cf. Mc 9,2-13 e paralelos) e a cura de um epilético (cf. Mc
9,14-29 e paralelos). Para entender a relação destes dois episódios ao anúncio
da Paixão é importante ter em mente a intenção teológica de cada um dos
evangelistas. Que Jesus de Nazaré, aquele que foi condenado e executado na cruz
como um criminoso pela “justiça” imperialista, era muito mais do que se pensava
dele, é evidente em todos os sinóticos com todos os seus detalhes diferentes.
A “transfiguração” (Mc 9,2-13; Mt17,1-13; Lc 9,28-36) é uma
construção teológica das comunidades primitivas, a construção que evidencia seu
avanço na compreensão da pessoa do “crucificado e ressuscitado”. Refere a um
aspecto extraordinário e misterioso da experiência incompreensível, que Pedro,
Tiago e João, assim como também os outros, tiveram do seu mestre. Para entender
a transfiguração: montanha alta, a brancura extrema das roupas, a presença da
nuvem, a voz do céu, que aqui afirma da filiação divina do Nazareno, são
elementos típicos que denotam, na linguagem bíblica, a teofania desde os tempos
veterotestamentários. A presença de Moisés e Elias apontam para outro momento
hermenêutico avançado: Jesus é aquele que plenifica o desígnio divino na
história humana na tradição do próprio Moisés e do Elias, dois personagens que
tiveram papéis importantes neste processo.
Este texto também menciona outra tentativa da parte de Pedro,
que visa impor seus interesses e desviar o foco da missão de Jesus, ao oferecer
construir três tendas a fim de prolongar a situação vantajosa e até muito agradável.
Essa proposta “petrina” está bem na linha do que ele propôs a Jesus que se
tinha afastado depois da cura da sua sogra e de realizar outros milagres em
Cafarnaum: “Todos te procuram” (cf. Mc 1,29-39). Pedro fez sua proposta apesar
de estar “com medo” (Mc 9,6) e é interessante notar a diferença dos detalhes da
reação de Pedro e seus companheiros a transfiguração nos outros dois evangelhos.
Para Mateus: “Ao ouvir isso (a voz do Pai), os discípulos caíram com o rosto
por terra e ficaram com muito medo” (Mt 17,6); enquanto Lucas nos disse que “Pedro
ainda falava, quando veio uma nuvem e os cobriu com sua sobra. Ao entrarem na
nuvem, ficaram com medo” (Lc 9,32).
Ao descer da montanha Jesus pede aos seus não contarem a
ninguém do que tinha acontecido até que “o Filho do Homem tivesse ressuscitado
dos mortos”. Eles assim fizeram, embora tivessem procurado entender melhor o
que “ressuscitar dos mortos” significava. Há ainda uma conversa entre Jesus e
seus três discípulos sobre o papel de Elias em relação a Jesus; essa resulta na
afirmação em Mateus de que os discípulos chegaram a entender João Batista como
o Elias que era esperado a voltar “para restaurar as coisas” (cf. Mt 17,10-13).
Passamos agora a examinar os textos que falam da cura do
epilético. A narrativa em Marcos (9,14-29) é o maior do que a de Mateus ou
Lucas. Da montanha Jesus volta para junto dos discípulos que se encontravam numa
situação contenciosa, havia uma grande multidão e os doutores da Lei discutindo
com eles. À sua pergunta sobre o motivo de tanta agitação, alguém da multidão reclamou
de o insucesso deles expulsar o espírito mudo que atormentava seu filho.
O Nazareno se irrita com a incredulidade tão evidente naquela
situação; pediu que trouxesse o menino a ele. Ao se aproximar o menino a Jesus
o espírito maligno se exibiu violentamente, sacudindo sua vítima e jogando-o no
chão. O pai do menino, além de responder as perguntas de Jesus sobre a duração
desse caso a possessão, implorou a ajuda de Jesus, se ele pudesse. Jesus aproveita
o momento para mostrar a necessidade da fé que torna tudo possível.
Imediatamente o pai professou a sua fé: “Eu creio! Ajuda a minha falta de fé”.
Para muitos, o menino já estava morto, no entanto o texto,
com detalhes típicos das curas que Jesus realiza, isto é - tomou-o pela mão, o
levantou, e ele ficou de pé - reporta sua restauração a vida normal, apesar da
confusão.
Mais tarde, quando Jesus entrou em casa, os discípulos
queriam saber por que eles mesmos não foram capazes de expulsar o demônio. É
que estavam preocupadíssimos com o alcance do seu próprio poder, muito menos
com a adesão a Deus por meio de Jesus, que caminha para o confronto e da cruz!
É neste ambiente assombrado que Jesus faz o segundo anúncio
da Paixão (cf. Mc 9,30-37; Mt 17,22-23; 18,1-5; Lc 9,43b-48). Jesus está
atravessando a Galileia, sem que ninguém saiba do seu paradeiro. Ele ensina
seus discípulos sobre seu fim trágico, de ser entregue aos seus adversários que
o matarão “na forma da lei”. E, morto, ressuscitará depois de três dias. Os
discípulos não entendiam o que isso queria dizer, e tinham medo de lhe
perguntar.
Chegando em Cafarnaum Jesus perguntou-lhes sobre o que eles
discutiam no caminho, porém ficaram calados, pois eles estavam discutindo sobre
quem era o maior entre eles! Para enfatizar a necessidade deles se
transformarem em “servidores” sem pretensões de grandeza, prestigio ou domínio
para construir o Reino de Deus, Jesus acolheu uma criança carinhosamente.
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