Canonização
do Oscar Romero, mártir pelo Reino de Deus. (1)
I.
O cenário do martírio.
1. Oscar Arnulfo Romero y Goldámez (1917-1980) foi o
Arcebispo de San Salvador, capital de El Salvador de 1977 até 24 de março de
1980 quando foi morto por um franco-atirador do exército de El Salvador,
enquanto celebrava a Eucaristia. 38 anos depois da sua
morte, é programada sua canonização por Papa Francisco, numa cerimônia na Praça
de São Pedro, Vaticano, no dia 14 próximo durante a qual Papa Paulo VI e vários
outros serão elevados a honra do altar.
Já no dia 23 de maio de 2015 ele foi beatificado, considerado um mártir
pela fé.
2.
O cenário do martírio de dom Oscar Arnulfo Romero y Goldámez era o mundo
pós-colonial no qual o imperialismo de direita (EUA) guerreava contra o
imperialismo de esquerda (antiga União Soviética). A América Latina,
considerada área exclusiva da influência estadunidense (Monroe, 1823), ficou
presa nessa peleja.
3.
Organizações inspiradas na revolução bolchevista começaram a atuar em diversos
países contra a versão latino-americana do feudalismo que ocultamente mantinha
o colonialismo. Para neutralizar os movimentos revolucionários, os EUA
estabeleceram a “Escola das Américas” no Panamá (1946) e treinaram suas forças
mercenárias latino-americanas que assegurariam seu domínio na região.
4.
A União Soviética conseguiu se estabelecer em Cuba e na Nicarágua, quebrando o
monopólio estadunidense do continente. Em resposta, os EUA promoveram golpes
militares, começando no Brasil (1964). Os governos fantoches assim instituídos
suspenderam os direitos humanos, baseando-se em uma doutrina perversa de
“segurança nacional” para manter a ordem tradicional com inaceitável crueldade.
Os guerrilheiros responderam com desumanidade comparável.
5.
Foi nessas águas turvas que um passo decisivo da inculturação da fé cristã foi
dado na América Latina. A realidade socioeconômica favoreceu a recepção ao
Concílio Vaticano 2º, em uma releitura, bem popular, do livro de Êxodo a partir
da condição do povo na escravidão disfarçada no continente. Houve uma errada
identificação do ânimo assim gerado com a revolução promovida pelos soviéticos.
Agentes de pastoral foram caçados e eliminados como se fossem guerrilheiros.
6.
Mártir Romero, o arcebispo de San Salvador, está entre os inúmeros outros do
fratricídio impiedoso salvadorenho dessa época. Os anos que passaram desde seu
assassínio até sua canonização tem incentivado uma reflexão sobre a vocação
profética cristã que vem enriquecendo o processo de “conversão pastoral” da
Igreja inserida no mundo “globalizado”.
7.
El Salvador, um pequeno país de alguns poucos milhões de habitantes, de tamanho
menor que o nosso Estado de Sergipe, fica entre a Guatemala, Honduras e o
Oceano Pacífico na América Central. No início do século passado era produtor de
café, mas a crise financeira dos anos 1930 começou a acirrar tensões entre o
latifúndio (2% que ficava com toda a terra e 95% da riqueza do país) e a
população camponesa com o 5% restante. O que passava por governo servia aos
interesses das elites, geralmente. A animosidade culminou na “La Matanza”
(1932), na qual pelo menos 50 mil trabalhadores do campo foram mortos, pois
eles se organizaram e reivindicaram seus direitos à terra e à vida digna.
8.
A guerra entre El Salvador e Honduras (1969) produziu um novo agravante social:
a volta de 300 mil salvadorenhos de Honduras, agora como refugiados. Os
esquadrões da morte intensificaram suas atividades nefastas. A crise de
petróleo de 1973 foi, como se fosse, a faísca que encetou a conflagração.
9.
Para conseguir paz no campo, houve tentativa hesitante de reforma agrária, que
os latifundiários conseguiram fracassar. As eleições fraudadas de 1977 deram
origem a protestos populares que o governo reprimiu com mão de ferro.
Simultaneamente, os esquadrões da morte da direita eliminaram sindicalistas e
todos os outros simpatizantes dos camponeses.
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