segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (2)


Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (26)

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (2)

4. Continuamos examinando os textos que narram o milagre da multiplicação dos pães. O Evangelho de Mateus, antes de apresentar o episódio de multiplicação dos pães (Mt 14,13-21), nos explica primeiro o porquê de Jesus decidir a ir a um lugar afastado. É a notícia da execução de João Batista (cf. Mt 14,12). Ao chegar lá, encontra uma multidão já reunida a sua espera. Encheu-se de compaixão por ela e curou dos doentes. Os detalhes da narrativa do “milagre”, que aconteceu ao entardecer são semelhantes ao que temos na narrativa de Marcos (cf. Mc 6,30-44). Diante da necessidade de alimentar uma multidão num lugar afastado a solução tradicional capitalista comercial de comprar o necessário é considerada inviável e Jesus manda seus discípulos organizar a multidão para usufruir os parcos recursos disponíveis.

 O gesto eucarístico que vem em seguida enfatiza a radical novidade que a comunidade que celebra a Eucaristia é capaz de efetuar na sociedade, pois ela vive a constante partilha dos recursos disponíveis de acordo com critérios que Jesus de Nazaré aplicava na sua práxis. Este comportamento anticapitalista vai fomentar revolução social pelo critério usado: a necessidade de cada um e não a capacidade de alguns poucos para acumular todo o possível. No entanto esse novo critério assegura a satisfação das necessidades de todos e até deixa sobra considerável. Vale notar que, desde sempre, as elites criminalizam qualquer atividade que implanta igualitarismo por ela fazer com que os dominadores tradicionais perdessem seus privilégios e mordomias.

5. Também no evangelho de Lucas, o texto que fala da multiplicação dos pães (Lc 9,10-17) é posicionado depois dos textos que falam do retorno dos discípulos da sua missão e o de receber a notícia da procura de Herodes, que “queria ver Jesus” (Lc 9,7-9). É que este o vassalo hediondo dos imperialistas romanos, tinha degolado João Batista, numa operação parecida com a “fraude-jato” dos nossos dias. Numa versão primitiva desta operação fraudulenta que, em nossos dias criminalizam as nossas lideranças políticas que usaram as estruturas governamentais tradicionais, antes usadas para manter o povo brasileiro em indigência, para melhorar a situação econômica dos mais pobres, Herodes e seus “cidadãos de bem” silenciaram, ou imaginavam que tinham conseguido silenciar tudo que João representava ao degolá-lo! É por isso que Herodes, quando ficou sabendo das atividades de Jesus de Nazaré, ficou convencido de que o Nazareno era o próprio João Batista ressuscitado e é por isso “queria ver Jesus”.

Em seus detalhes o episódio é semelhante ao que já lemos nos evangelhos de Marcos e Mateus. Resumidamente: Jesus procura afastar-se da multidão e vai para o outro lado do lago para ter sossego (segurança?) e um momento com seus discípulos só. Mas, a multidão já estava lá aguardando sua chegada. Jesus acolheu a bondosamente, ensinou-lhe sobre o Reino de Deus e curou os que precisavam. Ao entardecer os discípulos pedem Jesus para despedir a multidão; no entanto ele confiou a eles a tarefa de alimentá-la. Diante da situação de impossibilidade de aplicar a solução comum comercial capitalista, a narrativa de Lucas nos diz que houve recurso à solução solidária, fraterna, igualitarista que a Eucaristia promove. Os discípulos são autorizados para organizar a multidão como também para fazer a distribuição equitativa; há suficiente para suprir as necessidades de todos e tem sobra considerável.
6. Por sua vez o autor do Evangelho de João, que tem sua própria Cristologia, apresenta a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15) como o quarto dos sete “sinais” que explicita o personagem do “verbo que se fez carne”, isto é, Jesus de Nazaré. A narrativa se encontra depois do texto que trata da cura controvertida do enfermo na beira da piscina num dia de sábado (cf. Jo 5,1-47), Este terceiro sinal, a cura, levanta contestações sobre a identidade e a autoridade do Nazareno agir desta maneira inusitada. Entretanto Jesus insiste na sua sintonia com o Pai para agir de maneira apropriada, mesmo no dia de sábado, para proporcionar uma vida da qualidade para quem precisar, e assim retomar o sentido original da observância do sábado (cf. Ex 16,29-30; 20,8 especialmente a nota na Bíblia de Jerusalém). Contra a perseguição da parte dos seus adversários “judeus”, Jesus invoca o testemunho de João Batista (cf. Jo 5,35ss), as Escrituras (cf. Jo 5,39ss) e o próprio Moisés (cf. Jo 5, 45ss) a seu respeito.

É nesta situação tensa, próxima a Páscoa dos Judeus, mas longe de Jerusalém, o centro de poder oficial, que Jesus realiza a multiplicação dos pães. Há uma grande multidão que precisa ser alimentada. A solução convencional comercial capitalista não é aplicável. O que está disponível é considerado insuficiente, a primeira vista. A multidão é organizada para cada um receber o necessário e prevenir e os mais astuciosos acumulem além do que é necessário. Assim como nos sinóticos, aqui também são os discípulos responsáveis pela nova ordem social e a distribuição dos pães após a realização do gesto eucarístico. Todos comeram e ficaram satisfeitos e a sobra, uma quantia considerável é recolhida.

O autor de João faz questão de nos informar que no sinal da multiplicação dos pães que Jesus realizou, ele foi visto como “o Profeta que vem ao mundo” e houve um movimento para fazer dele um rei e é por isso que ele se retirou sozinho para a montanha. (cf. Jo 6,14-15). O Nazareno antecipou as consequências do resultado desta leitura interesseira do seu messianismo. Podemos afirmar que a reação de Jesus aponta para a radical novidade do Reino que ele proclamava e sua incompatibilidade com o sistema tradicional de meritocrático vigente.

domingo, 18 de novembro de 2018

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (1)


Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (26)

Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (1)

1. Falamos sobre a premonição do fim trágico de Jesus de Nazaré por ele se posicionar a favor dos mais pobres e necessitados contrariando os desígnios das elites poderosas que exploram os mais fracos. E agora pretendemos examinar: (1) o episódio da multiplicação dos pães; e (2) Jesus caminhar sobre as águas, como elementos principais do Reino de Deus que ele instaurava. A nossa leitura do milagre da multiplicação dos pães é a partir de um ponto de vista que aceita este como a alternativa ao sistema capitalista neoliberal reinante. De fato, há uma abundância de bens materiais no mundo que, distribuídos usando como critério as necessidades reais dos seres humanos, satisfaz a todos e deixa muita sobra ainda. No entanto percebemos que os poderosos favorecem desde sempre o acumulo de bens materiais de acordo com sua capacidade irrestrita de pilhar. Quanto à leitura do milagre de Jesus caminhar sobre o mar, é preciso lembrar que o mar simboliza, na linguagem bíblica, realidades variadas e que os impérios sempre fizeram questão de controlar o mar para assegurar seu domínio dos espaços. Aqui o caminhar de Jesus sobre o mar aponta para o projeto do Reino de Deus que transcende o esquema imperialista em sua metodologia e resultados obtidos. Veremos que seu projeto foi e continua sendo algo assustador até mesmo para seus discípulos.

 2. Para falar sobre o milagre da multiplicação dos pães, nós encontramos seis as narrativas desta nos evangelhos (cf. Mc 6,30-44; 8,1-10; Mt 14,13-21; 15,32-39; Lc 9,10-17; João 6,1-14). Essa multiplicidade dos textos, sobre o “milagre” junto com outros textos que falam das refeições e a comensalidade que Jesus praticava, hoje é vistas pelos estudiosos como a preocupação que Jesus tinha sobre a questão das necessidades básicas do ser humano. Nessas narrativas alguns elementos são fundamentais, apesar dos detalhes variarem. Nós já vamos exemplificar alguns deles antes de examinar os textos. Todos eles falam duma situação de necessidade de alimentar a multidão. Jesus indica os discípulos como os responsáveis para resolver essa situação. A solução convencional comercial capitalista de comprar o necessário é descartada como não sendo prático, vendo a indisponibilidade dos recursos financeiros. Na busca duma solução alternativa, percebe-se que o que está disponível é aparentemente insuficiente diante da grande necessidade. Então o Nazareno manda seus discípulos organizarem a multidão de tal forma que cada um receba o necessário.
Há uma referência à atuação das comunidades eucarísticas na transformação social pela menção feita dos gestos de Jesus tomar os pães e peixes, agradecer e entregar aos discípulos para serem distribuídos a multidão. Eles assim fizeram e todos comeram e ficaram satisfeitos. As sobras, uma quantia considerável, são recolhidas e não desperdiçadas.

Terminada a distribuição dos pães, há um distanciamento entre Jesus e seus discípulos; o rabino se afasta também da multidão. Os discípulos vão de barco para o outro lado. Jesus vai ao reencontro com eles caminhando sobre as águas num mar agitado. É um momento de tensão e uma experiência assustadora para os discípulos quebrantados.

3. De acordo com o texto de Marcos (6,30-44) o milagre da multiplicação dos pães aconteceu assim. Os discípulos voltaram da sua missão (cf. Mc 6,6b-13) e estavam ansiosos para contar suas experiências missionárias a Jesus. Mas, como apareceu muita gente a procura de Jesus, ele propôs que fossem a um lugar sossegado. Foram de barco a um lugar assim, porém a multidão antecipou-se e já estava aí quando Jesus chegou lá com seus missionários. Movido por compaixão ensinava-lhes muitas coisas, visto que a situação do povo era a de ovelhas sem pastor. Como o lugar era deserto e já tinha entardecido, seus discípulos, preocupados com a alimentação do povo, pediu Jesus que ele dispersasse a multidão a fim de que cada um providenciasse o necessário.

Mas Jesus encarregou os seus discípulos com a tarefa de alimentar o povo. A reação dos discípulos foi a de reconhecer a impossibilidade de cumprir a tarefa, pois não tinha dinheiro disponível para solução normal capitalista de comprar o necessário para providenciar refeições para a multidão. Tudo o que havia a disposição era muito pouco, apenas cinco pães e dois peixes. Neste momento Jesus incumbiu os discípulos para organizar o povo em pequenos grupos para que houvesse condições para cada um receber o necessário. O resultado do seu trabalho: a multidão acomodou-se em pequenos grupos na relva. Em seguida Jesus tomou os pães e peixes “realizou o gesto eucarístico” e os entregou aos apóstolos que os distribuíram; todos (cinco mil homens) comeram e ficaram satisfeitos. O que sobrou foi uma considerável quantia que foi recolhida. Logo em seguida, de acordo com o texto de Marcos, Jesus obrigou os discípulos irem de barco para a outra margem do lago enquanto ele despedia a multidão. Ele mesmo, depois de despedir a multidão foi à montanha para rezar (cf. Mc 6,45-57). A continuar...

frases de dalai lama 1

“O período de maior ganho em conhecimento e experiência é o período mais difícil da vida de alguém”.  Dalai Lama – monge, budista e tibetano.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Premonição do fim trágico do Profeta Jesus


Premonição do fim trágico do Profeta Jesus

1. Examinamos os “milagres” de Jesus de Nazaré calmar a tempestade no mar e a cura do possesso de Gerasa a partir de um ponto de vista que leva em consideração as implicações da imagem do “mar” para a política imperialista. Vimos que a tempestade acalmada causou medo e perplexidade entre os discípulos (cf. Mc 4,41). A cura do possesso de Gerasa induziu os habitantes da região pedir Jesus para sair do seu território, visto que os gerasenos valorizavam mais seus porcos do que um concidadão libertado dos espíritos maus!

2. Agora analisaremos a cura da mulher hemorroíssa e a ressurreição da menina (cf. Mc 5,21-43; Mt 9,18-26; Lc 8,40-56). Jesus, voltando da terra dos gerasenos para o outro lado do mar encontra-se no meio de uma grande multidão. Um dos chefes da sinagoga, Jairo, vem pedir socorro porque sua filha está morrendo. Prontamente Jesus vai com ele e a multidão vai junto, apertando-o de todos os lados.
De repente uma mulher que sofria de hemorragia durante doze anos tocou na veste de Jesus e sentiu-se curada. Com efeito, ela tinha gasto tudo o que tinha para custear seu tratamento médico, sem que haja nenhuma melhora na sua condição. Ela ficou sabendo de Jesus, o rabino de Nazaré, e movida pela sua fé e a esperança de cura, aproximou-se dele na anonimidade no meio da multidão, tocou nele e sua fé foi amplamente recompensada. Entretanto, Jesus percebeu que força tinha saído dele e faz o necessário, descartando os protestos dos discípulos ignorantes, para tirar a mulher do seu anonimato e coloca-la em evidência e elogiar sua fé.

Nisso chegaram emissários da casa de Jairo anunciando a morte da menina. Não era mais preciso importunar o Mestre, disseram. Mas, Jesus, que escutou a conversa, aconselhou o pai da menina a ter coragem e ter fé; continuou sua caminhada para a casa da falecida, acompanhado apenas pelos três dos seus: Pedro, Tiago e João. Lá em casa os ritos fúnebres já estavam em progresso. A observação de Jesus de que a menina estava apenas dormindo e não estava morta, só produziu zombaria geral.
Todavia, Jesus fez com que todos saíssem; tomou consigo o pai e a mãe da criança junto com seus acompanhantes, entrou onde a criança estava. Pegou-a pela mão e pediu-lhe para se levantar. Imediatamente a menina, de doze anos, levantou-se e começou a andar. Jesus proibiu que divulgassem o acontecido e que dessem de comer para a menina.

Há alguns elementos notáveis neste episódio. Protagonistas neste relato são: uma mulher que sofria de hemorragia durante doze anos; a outra é uma menina de doze anos, prestes, normalmente, para se tornar mulher, mas agora é apenas um cadáver. A primeira, na sua condição de hemorroíssa, toca em Jesus, se salva, porém tecnicamente torna Jesus “impuro”. A segunda é tocada por Jesus e este contato físico restaura para ela a possiblidade de se tornar mulher.

É conveniente recordar que naquele tempo a mulher era vítima da desigualdade social que reinava. Ela era mais uma entre as posses do varão. As duas da nossa história, isto é, a hemorroíssa e o cadáver, foram libertados das suas condições de exclusão pelo encontro libertador com Jesus de Nazaré. Neste processo libertador, o Nazareno, contrariou as leis da pureza em vigor. Não é este fato que o autor quer nos comunicar com a frase: “Jesus ordenou expressamente que ninguém soubesse disso?” Mais uma vez, Jesus se posiciona no lado dos necessitados, contrariando as determinações dos poderosos tradicionais.

3. Na sequencia dos textos no Evangelho de Marcos está a rejeição que Jesus sofre em Nazaré, sua terra natal (cf. Mc 6,1-6a; Mt 13,53-58; Lc 4,16-30). Ao voltar para Nazaré, depois de se tornar famoso, ele é recebido com grande incredulidade. Boa parte da população, que pretendia conhecer suas origens humildes, partilhava do preconceito de Natanael que fez a pergunta: “De Nazaré pode vir algo de bom”? (Jo 1,46). Será que o que Jesus enfrentou em Nazaré não é muito parecido com o que Ex-Presidente Lula sofre hoje? Afinal, Lula como Presidente, fez acontecer no Brasil um milagre socioeconômico (mundialmente reconhecido) para o enorme desgosto da elite tradicional brasileira preconceituosa.

O texto de Marcos é sucinto, enquanto no Evangelho de Lucas tem detalhes que evidenciam o perigo de vida que Jesus corria na sua terra natal! O último versículo: “Jesus, porém, passando pelo meio deles, seguiu seu caminho” (Lc 4,30) pede a ser entendido como o resultado do agir dos amigos e simpatizantes da causa do Nazareno para protegê-lo dos esquemas nefastos das elites; tomando nota de que ainda em nossos dias se manipulam e falsificam processos judiciais além de abusar do poder de maneira que evidencia grande carência de idoneidade, para eliminar aqueles que opõem aos seus esquemas criminosos no poder.

4. Nesta situação é que Marcos nos reporta a missão do doze (cf. Mc 6,6b-13; Mt 10,5-15; Lc 9,1-6). É uma medida que amplia o escopo do trabalho de Jesus. O Nazareno deu aos seus missionários autoridade bastante para realizar sua missão. Podemos resumir as instruções quanto à modalidade, recursos etc. assim: providenciar o necessário e confiar na providência divina. Os missionários partiram e pregavam para que todos mudassem de vida. Expulsavam muito demônios e curavam doentes ungindo os com óleo.

5. Agora vem um texto de 16 versículos, um texto cumprido pelos padrões do autor do Evangelho de Marcos; este texto conta a história da execução de João Batista (cf. Mc 6,14-29; Mt 14,1-12; Lc 9,7-9). É um texto extraordinário pelo seu poder evocativo e o profetismo. O rei Herodes, apenas um vassalo do império romano, foi informado das atividades de Jesus de Nazaré. Havia diversas opiniões sobre este rabino itinerante da Galileia. Uns o identificavam com Elias, outros com um dos antigos profetas, agora ressuscitado. Um terceiro grupo o identificou com João Batista, degolado por Herodes, o mercenário dos imperialistas. O próprio Herodes aceitou essa terceira opinião.

Herodes estava sempre atento a toda expressão de insatisfação popular contra o sistema; no primeiro sinal de alguma expressão, ele agia energicamente para coibir a possibilidade de revolta. Por sua parte, João Batista tinha levantado muitas expectativas com suas criticas ao sistema podre mantido pelo rei Herodes e a cúpula religiosa centrada no templo de Jerusalém. O questionamento que João fez de Herodes por tomar sua cunhada Herodíades para si, causou a prisão de João Batista.
Herodes ofereceu um banquete aos notáveis da Galileia na ocasião do seu aniversário. Durante o evento, Salomé, a filha de Herodíades apresentou um espetáculo de dança que conquistou a admiração dos presentes. O rei, emocionado, prometeu presentear a moça com qualquer coisa que ela pediria. Salomé consultou sua mãe e pediu a cabeça de João Batista num prato. Logo, a mando do rei, carrascos decapitaram o profeta e trouxeram sua cabeça num prato que a dançarina aceitou e levou para sua mãe que tinha motivos fortes para fazer João perecer!

6. Que a carne do povo é devorada nos banquetes dos poderosos é algo que encontramos já nos profetas antigos que condenavam as praticas desumanas dos reis que governavam o povo de Deus (cf. Mq 3,3). Na ordem em que o autor do Evangelho de Marcos posicionou este texto no seu texto, ele serve como uma premonição do destino do Jesus, o profeta de Nazaré.

Entretanto, em meio à crueldade grosseira, horripilante dos detalhes deste episódio, será que não surge uma alerta para nós? Nós vivemos um momento de vitória de obscurantismo que promove a nova escravização do povo brasileiro. Este obscurantismo (o neoliberalismo globalizado) utiliza as reformas promovidas pelos que substituíram o governo legítimo em 2016 e agora por aqueles que ganharam um pleito conduzido no estilo fraude-jato que continuarão a tirar a carne dos pobres a devorar em suas festas suntuosas (lucros vultosos para os mais ricos a custa de maior miséria pra os mais pobres). É possível por alguém que segue Jesus escapar o fim trágico do próprio Jesus, se corajosamente resistir às injustiças sociais hodiernas?

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O império rejeita o Reino de Deus


Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (24)


1. No Evangelho de Marcos há um episódio de Jesus acalmar a tempestade no mar (cf. Mc 4,35-41; e seus paralelos Mt 8,23-27; Lc 8,22-24) logo depois da parábola do semeador e as explicações dessa. Era costume apresentar este ‘evento’ como prova da divindade de Jesus de Nazaré. Entretanto abordagens literárias hodiernas da linguagem da Bíblia nos proporciona um entendimento mais profundo do simbolismo do mar. O mar era considerado o lugar de forças desconhecidas ou até mesmo maléficas; o império romano fazia questão dominava o Mar Mediterrâneo e os países limítrofes. Na história recente o império britânico dominava os oceanos (se dizia: “Britania rules the waves”=Bretanha reina sobre os oceanos). E hoje Donald Trump discursa sobre o “Space Force” que os EUA criarão para dominar o espaço.

Com esta introdução passamos a examinar o episódio de o Nazareno acalmar a tempestade, acima referida, e o episódio que fala de Jesus no território do gerasenos (cf. Mc 5,1-20; e seus paralelos: Mt 8,23-34; Lc 8,26-39).

2. Jesus, depois de contar a parábola do semeador e mostrar nas explicações a diferença da compreensão desta, por aqueles que são comprometidos como o Reino de Deus e por aqueles que optaram para ficar fora dele, pede aos discípulos para irem à outra margem do lago. Eles assim fizeram. No entanto, surgiu uma forte tempestade durante a travessia. O barco estava a ponto de fundar. Jesus se encontrava adormecido; os discípulos, em pânico, apelaram a ele para salvar suas vidas. O rabino deu ouvido ao seu pedido de socorro, acalmou o vento; as ondas obedeceram a ele. Em seguida o Nazareno comentou sobre o medo dos seus discípulos por falta de fé. Essa crítica gerou nos discípulos grande perplexidade sobre sua personagem, pois perguntava entre si: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem”? Percebe-se que os discípulos ainda estavam dominados por forças a que Jesus vem submeter.

3. No próximo episódio, Jesus e seus discípulos já chegaram a outro lado do mar, à região do gerasenos. Veio ao seu encontro um homem possuído de um espírito mau. Ele era um elemento incontrolável. Tinham tentado prendê-lo em correntes e algemas, mas ele rebentava-as facilmente. Ele vivia no meio aos túmulos e as montanhas dia e noite gritando e machucando-se com pedras.

Aqui é importante tomar conhecimento de uma “vaca sagrada”; as badernas e vexames que marcam o sistema imperial capitalista. Seu deus “o mercado” é facilmente manipulado pelos elementos de “Federal Reserve” ou “Bank of England” ou similares, que praticam “insider trading” e outras praticas insidiosas, numa suposto jogo de “forças de mercado” gerando inúmeras vítimas no mundo inteiro. Ainda em nossos dias uma boa parte da população mundial passa sua vida, igual este possuído de Gerasa, em situações de carência mortífera como resultado dessas políticas imperialistas baseadas no capitalismo desumano.

Logo que viu Jesus o possuído correu até ele, ajoelhou-se diante do Nazareno. Ele não parava de gritar que reconhecia sua identidade de ser “Filho de Deus”, insistindo que não o atormentasse. Revelou seu nome como “legião” (o nome da unidade militar do império romano) e pediu que não os expulsasse para longe.

O novo habitat dos espíritos maus expulsos é a manada de porcos que pastava por perto. Sem demora os porcos lançaram-se em direção ao mar precipício abaixo e afogaram-se no mar. Os cuidadores dos porcos fugiram para dar a notícia na cidade e nos campos. Os habitantes da região foram ver o acontecido. Viram Jesus; o que era endemoninhado estava vestido e no seu perfeito juízo.
Entretanto, ao serem informados sobre os detalhes do que tinha acontecido com o possuído e os porcos, eles começaram a pedir Jesus que ele deixasse seu território. Quando Jesus embarcava para ir embora dali, o homem que tinha sido libertado da possessão pediu Jesus que o deixasse ficar com ele. Mas Jesus não o deixou; orientou-o voltar para sua casa e anunciar sua libertação aos seus. E ele anunciava a Boa Nova na região de Decápole. E todos ficavam maravilhados.

4. No Evangelho de Mateus se fala de dois possuídos que vão ao encontro de Jesus na terra dos gadarenos (cf. Mt 8,28-34). Nessa terra estrangeira O Nazareno encontra com pessoas que são vítimas do imperialismo, pois carregam, de maneira profunda, muitos efeitos e formas da dominação imperialista. É notável que a intervenção libertadora do rabino Jesus envie os poderes do mal para o fundo do mar. O episódio nos faz lembrar-se do destino do exército egípcio que perseguia os israelitas liderados por Moisés. No entanto, há tantos que se acostumaram tanto com a dominação, que não suportam que alguém como Jesus permaneça entre eles! Será que o processo distorcido jurídico-midiático-político, em percurso no Brasil, que procura eliminar, de maneira nazifascista, um programa partidário que visa gerar igualitarismo, não é uma versão atual da alienação que vitimas da dominação prolongada assim como os gadarenos/gerasenos tinham sofrido no tempo de Jesus de Nazaré?

      Nos textos de Marcos e Lucas também lemos que o homem de quem tinham saído os demônios pediu para ficar com Jesus, mas a instrução que ele recebe é: ficar no meio do seu povo divulgando tudo o que Deus fez por ele. Será que não está na hora para os materialmente beneficiados dos governos anteriores ao golpe parlamentar contarem como o Brasil é capaz de resolver seus problemas sem se entregar ao domínio do imperialismo capitalista e manter a mobilidade social libertadora?