Jesus de Nazaré, a Boa Nova para o século 21 (29)
A missão de Jesus em Galileia encerra-se
Os evangelhos sinóticos (Mt, Mc e Lc) dividem a vida pública
de Jesus em duas partes; a primeira, em Galileia e a segunda em Jerusalém. Nós
nos baseamos no Evangelho de Marcos para apresentar Jesus de Nazaré como a Boa
Notícia para o século 21. Agora a nossa leitura vai passar para a segunda
parte. Em Mc essa “passagem” acontece no capítulo 8. A primeira parte deste
capítulo (vv.1-26) é como o encerramento do ministério de Jesus na região de
Galileia.
Este texto pode ser dividido em quatro blocos: o primeiro fala
de uma segunda multiplicação dos pães (cf. Mc 8,1-10; Mt 15,32-39); o segundo
conta da insistência dos fariseus por um milagre “vindo do céu” que legitimaria
a autoridade com a qual Jesus de Nazaré agia (cf. Mc 8,11-13; Mt 16,1-4); no
terceiro o Nazareno adeverte seus discípulos sobre o “fermento” dos fariseus
(cf. Mc 8,14-21; Mt 16,5-12); e por fim, a cura do cego de Betsaida (Mc
8,22-26).
Numa ocasião anterior, quando se tratava da multiplicação
dos pães como um dos componentes principais do Reino de Deus que Jesus de
Nazaré anunciava, havíamos mencionado a segunda multiplicação dos pães
encontrados em Marcos e Mateus. Contudo, é necessário comentar de novo sobre
este milagre, visto que: 1) o milagre assinala a preocupação de Jesus quanto às
necessidades básicas da gente que o segue; 2) como já vimos Jesus vive numa
situação tensa em que as autoridades estão perseguindo-o; 3) mesmo depois de
acompanha-lo de perto, seus discípulos não compreendem as implicações da sua
práxis. Em face de tudo isso Jesus não se desvia do seu objetivo de anunciar o
Reino de Deus, que é uma vida digna para todos.
Ambos os textos, o de Marcos e o de Mateus, que falam da
segunda multiplicação dos pães têm conteúdo semelhante. Jesus age movido por
compaixão, alimenta quatro mil homens (sem contar as mulheres e as crianças) de
maneira desafiadora ao sistema mercantilista em vigor. Seus perseguidores, os
fariseus e seus colaboradores, faziam questão de zelar pela manutenção deste
sistema que assegurava seus privilégios. O método de Jesus foi além do comércio
capitalista tradicional; considerado impraticável naquele contexto, e mostrou
que há uma alternativa: a partilha solidária que implica uma nova organização
social que não se fundamenta na capacidade de alguns poucos acumularem tudo, deixando
os muitos outros na carência. Levar em consideração a necessidade de cada um é
o critério dessa nova organização social.
Logo em seguida os fariseus exigem que o Nazareno realizasse
um milagre “vindo do céu” (cf. Mc 8,11-13; Mt 16,1-4), para comprovar a
autorização da sua práxis. Enquanto o texto de Mc fala de Jesus que, exasperado
com a incredulidade deles foi embora, Mateus tem mais detalhes. As autoridades são
implacáveis na sua insistência de que o Nazareno tem que se enquadrar nos
parâmetros definidos por eles, antes que o aceitassem como um autorizado na sua
práxis libertadora. Jesus elogia a capacidade humana normal de ler os sinais
dos tempos e agir conforme a necessidade. Entretanto ele fica admirado com a
inépcia e a insensibilidade desses supostos peritos nas Sagradas Escrituras a
reconhecer ação divina na história humana. Jesus sugere o sinal de Jonas a eles
para um entendimento da sua atuação e foi embora.
No terceiro bloco (Mc 8,14-21; Mt 16,5-12) Jesus e seus
discípulos estão na barca indo para o outro lado. Ele começa adverti-los contra
“o fermento” dos fariseus. A reação dos discípulos é tipicamente a daqueles que
fazem leitura fundamentalista das Sagradas Escrituras. De acordo com Marcos
eles imaginavam que Jesus falava de pães porque havia apenas um pão no barco;
de acordo com Mateus, foi porque eles tinham esquecido levar pão. Jesus fez uma
dispendiosa hermenêutica para mostrar a eles a necessidade de ficar longe dos
ensinamentos farisaicos das autoridades. No entanto, o texto de Marcos termina
com a pergunta, que não deixa de ser enigmática, de Jesus: “E vocês ainda não
compreenderam?”
O próximo episódio, a cura do cego de Betsaida (Mc 8,22-26)
é peculiar de Marcos. Este vai figurar em nossas discussões mais adiante. O que
aconteceu foi o seguinte: ao chegar Jesus em Betsaida, levaram um cego a ele
pedindo que tocasse nele. Jesus, por sua parte levou o pela mão para fora do
povoado, realizou alguns ritos que de modo gradativo restaurou sua capacidade
de enxergar perfeitamente. Jesus o mandou para sua casa recomendando que não
entrasse no vilarejo, onde ele ficava em condições de cegueira.
Mesmo no meio da perseguição mortal, crescente incompreensão
dos mais próximos, a rejeição pelos incomodados por sua práxis libertadora,
Jesus de Nazaré continua inabalável no seu propósito de anunciar o Reino de
Deus. Aconselha aos beneficiários do Reino a não voltarem às circunstâncias que
lhes roubam elementos necessários da vida em sua plenitude (cf. Mc 8,26).
Aqui surge uma pergunta que não quer se calar: no retrocesso
sócio-político-econômico-religioso, o que está acontecendo em nosso país não é
justamente a volta aos tempos de obscurantismo, justamente o que Jesus pediu o
curado de Betsaida evitar?
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