Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o Século 21 (28)
A fé em Jesus não tem fronteiras – a cura da filha da mulher
siro-fenícia
Nos evangelhos de Marcos e Mateus há um episódio que fala da cura
da filha da mulher siro-fenícia (cf. Mc 7,24-30; Mt 15,21-28). Em
seguida vem o trecho que fala da cura de um surdo-gago. Só o
Evangelho de Marcos tem essa narrativa. Estes trechos estão
colocados em ambos os evangelhos logo depois da interpretação das
leis e dos costumes tradicionais dos Judeus que Jesus faz e que, de
acordo com seus discípulos, escandalizou os fariseus e doutores da
lei (cf. Mt 15, 12).
De acordo com Marcos Jesus está a caminho para a região de Tiro e
Sidônia. Ele entrou numa casa e queria que ninguém soubesse disso.
Levando em consideração a decisão das elites para matar Jesus e as
instâncias de incompreensão e rejeição que seguem essa decisão
(cf. Mc 3,6.20-21.22; 5,16-17; 6,1-6a) não seria um erro considerar
Jesus um fugitivo, e é por isso Marcos afirma que Jesus não queria
que detalhes sobre seu paradeiro fossem divulgados. No entanto.
Mateus não menciona este detalhe.
Quanto à mulher siro-fenícia, a mãe da menina endemoninhada, que
procura a salvação para sua filha, Mateus tem detalhes que chamam
atenção. Na boca dessa mulher é colocado dois dos títulos
Cristológicos importantes do NT: “Senhor” e “Filho de Davi”
(Mt 15,22). Ela pede a libertação da sua filha do sofrimento
terrível de possuída. Surpreendentemente Jesus não presta atenção
alguma a pedido da mulher. São os discípulos, incomodados com a
insistência da mulher, que intercedem a favor dela. E aqui, na fala
de Jesus, temos a expressão de um dos problemas cruciais que as
comunidades primitivas tentavam a resolver. Disse Jesus: “Eu fui
enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt
15,24). Qual o significado dessa afirmação?
Como o próprio Jesus e seus primeiros discípulos eram todos judeus,
havia um grupo forte que resistia a qualquer abertura nas comunidades
cristãs para receber pagãos no seu meio. As palavras de Jesus
citadas acima apontam para a força que este grupo tinha na
comunidade. Vale notar que os Atos dos Apóstolos retratem essa luta
que não se resolveu com facilidade alguma.
Segundo Mateus, neste momento a mulher aproximou-se de Jesus,
ajoelhou-se diante dele e pediu socorro, enquanto Marcos nos fala da
mulher que se atira aos pés de Jesus para pedir auxílio. A reação
do Nazareno até parece grosseria: “Deixe que primeiro os filhos
fiquem saciados. Porque não fica bem tirar os pães dos filhos e
jogá-lo aos cachorrinhos” (Mc 7,26-27). A mulher deu uma resposta
surpreendente, oriunda da fé confiante: “Senhor, também os
cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas das crianças”.
Vendo a força da sua fé Jesus disse a ela que sua filha estava
libertada da sua aflição. A mulher voltou para sua casa e encontrou
a filha curada, deitada na cama.
O mundo sempre foi marcado por barreiras e preconceitos diversos:
étnico, cultural, econômico, politico etc. O episódio que
examinamos acima marca o início de superação desse obstáculo no
caminho da humanidade. As palavras insistentes da mulher desafiam as
delimitações que procuram delimitar a libertação que Deus
proporciona na pessoa de Jesus de Nazaré como exclusividade ao povo
judeu apenas. A siro-fenícia defende o direito do seu povo também a
ser alcançada pela ação libertadora de Jesus.
Mesmo depois de dois mil anos da existência das comunidades de
seguidores de Jesus, ainda há muitas barreiras antes que “Deus
seja tudo em todos” (1Cor 15,28). Nós vivemos um momento em que
forças poderosas estão fomentando ódio e preconceitos a serviço
do avanço do novo colonialismo neoliberal “globalizado”. Sua
técnica atualmente é um suposto “combate” a corrupção
falsificando dos processos judiciais, parcialidade acentuada e abuso
de poder (agir “ultra vires”), uso de fofoca no lugar de provas
para condenar seus adversários. Até mesmo a Igreja Católica passa
por um momento de contestações sobre questões com a comunhão
eucarística para pessoas em supostas “situações irregulares” e
a presidência por parte das mulheres das Celebrações Eucarísticas,
entre outras, mesmo que as mulheres celebrem a Eucaristia igual aos
homens o fazem (ver a Oração Eucarística 1, do século IV e a
Oração Eucarística IV, da era pós-Vat II sobre a distinção
entre celebrar e presidir).
Este retrocesso sócio-político-econômico em percurso no mundo
globalizado tem seu componente religioso: as seitas de inspiração
neopentecostal com seu intimismo alienante, sua teologia de
prosperidade e o avanço de algo pior ainda, a teologia do
arrebatamento, uma leitura equivocada de alguns textos paulinos.
Com essas observações nós vamos fazer uma leitura de Mc 7,31-37,
um episódio que só este evangelho tem. Ainda no território pagão,
Jesus está a caminho do Mar da Galileia, levaram um surdo e gago a
ele pedindo que ele pusesse a mão sobre ele. O Nazareno o leva para
longe da multidão, realiza alguns atos simbólicos e a pessoa
recupera sua capacidade de ouvir e a habilidade de falar. A
tradicional interpretação enfoca nas práticas sacramentais das
comunidades primitivas.
Temos mais um episódio que assinala, em primeiro lugar, perda da
capacidade de viver a vida na sua plenitude aflige a humanidade
inteira, sem distinção nenhuma; em segundo lugar, a restauração
da humanidade que Deus efetua na pessoa de Jesus de Nazaré não se
delimita por barreira nenhuma. A missão do Nazareno tem um objetivo
amplo: formar homens e mulheres renovados, que possam viver
plenamente, na liberdade e responsabilidade. Eis a missão do
discípulo missionário cidadão!
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