domingo, 13 de janeiro de 2019

A fé em Jesus não tem fronteiras


Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o Século 21 (28)
A fé em Jesus não tem fronteiras – a cura da filha da mulher siro-fenícia


Nos evangelhos de Marcos e Mateus há um episódio que fala da cura da filha da mulher siro-fenícia (cf. Mc 7,24-30; Mt 15,21-28). Em seguida vem o trecho que fala da cura de um surdo-gago. Só o Evangelho de Marcos tem essa narrativa. Estes trechos estão colocados em ambos os evangelhos logo depois da interpretação das leis e dos costumes tradicionais dos Judeus que Jesus faz e que, de acordo com seus discípulos, escandalizou os fariseus e doutores da lei (cf. Mt 15, 12).
De acordo com Marcos Jesus está a caminho para a região de Tiro e Sidônia. Ele entrou numa casa e queria que ninguém soubesse disso. Levando em consideração a decisão das elites para matar Jesus e as instâncias de incompreensão e rejeição que seguem essa decisão (cf. Mc 3,6.20-21.22; 5,16-17; 6,1-6a) não seria um erro considerar Jesus um fugitivo, e é por isso Marcos afirma que Jesus não queria que detalhes sobre seu paradeiro fossem divulgados. No entanto. Mateus não menciona este detalhe.
Quanto à mulher siro-fenícia, a mãe da menina endemoninhada, que procura a salvação para sua filha, Mateus tem detalhes que chamam atenção. Na boca dessa mulher é colocado dois dos títulos Cristológicos importantes do NT: “Senhor” e “Filho de Davi” (Mt 15,22). Ela pede a libertação da sua filha do sofrimento terrível de possuída. Surpreendentemente Jesus não presta atenção alguma a pedido da mulher. São os discípulos, incomodados com a insistência da mulher, que intercedem a favor dela. E aqui, na fala de Jesus, temos a expressão de um dos problemas cruciais que as comunidades primitivas tentavam a resolver. Disse Jesus: “Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel!” (Mt 15,24). Qual o significado dessa afirmação?
Como o próprio Jesus e seus primeiros discípulos eram todos judeus, havia um grupo forte que resistia a qualquer abertura nas comunidades cristãs para receber pagãos no seu meio. As palavras de Jesus citadas acima apontam para a força que este grupo tinha na comunidade. Vale notar que os Atos dos Apóstolos retratem essa luta que não se resolveu com facilidade alguma.
Segundo Mateus, neste momento a mulher aproximou-se de Jesus, ajoelhou-se diante dele e pediu socorro, enquanto Marcos nos fala da mulher que se atira aos pés de Jesus para pedir auxílio. A reação do Nazareno até parece grosseria: “Deixe que primeiro os filhos fiquem saciados. Porque não fica bem tirar os pães dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos” (Mc 7,26-27). A mulher deu uma resposta surpreendente, oriunda da fé confiante: “Senhor, também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas das crianças”. Vendo a força da sua fé Jesus disse a ela que sua filha estava libertada da sua aflição. A mulher voltou para sua casa e encontrou a filha curada, deitada na cama.
O mundo sempre foi marcado por barreiras e preconceitos diversos: étnico, cultural, econômico, politico etc. O episódio que examinamos acima marca o início de superação desse obstáculo no caminho da humanidade. As palavras insistentes da mulher desafiam as delimitações que procuram delimitar a libertação que Deus proporciona na pessoa de Jesus de Nazaré como exclusividade ao povo judeu apenas. A siro-fenícia defende o direito do seu povo também a ser alcançada pela ação libertadora de Jesus.
Mesmo depois de dois mil anos da existência das comunidades de seguidores de Jesus, ainda há muitas barreiras antes que “Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28). Nós vivemos um momento em que forças poderosas estão fomentando ódio e preconceitos a serviço do avanço do novo colonialismo neoliberal “globalizado”. Sua técnica atualmente é um suposto “combate” a corrupção falsificando dos processos judiciais, parcialidade acentuada e abuso de poder (agir “ultra vires”), uso de fofoca no lugar de provas para condenar seus adversários. Até mesmo a Igreja Católica passa por um momento de contestações sobre questões com a comunhão eucarística para pessoas em supostas “situações irregulares” e a presidência por parte das mulheres das Celebrações Eucarísticas, entre outras, mesmo que as mulheres celebrem a Eucaristia igual aos homens o fazem (ver a Oração Eucarística 1, do século IV e a Oração Eucarística IV, da era pós-Vat II sobre a distinção entre celebrar e presidir).
Este retrocesso sócio-político-econômico em percurso no mundo globalizado tem seu componente religioso: as seitas de inspiração neopentecostal com seu intimismo alienante, sua teologia de prosperidade e o avanço de algo pior ainda, a teologia do arrebatamento, uma leitura equivocada de alguns textos paulinos.
Com essas observações nós vamos fazer uma leitura de Mc 7,31-37, um episódio que só este evangelho tem. Ainda no território pagão, Jesus está a caminho do Mar da Galileia, levaram um surdo e gago a ele pedindo que ele pusesse a mão sobre ele. O Nazareno o leva para longe da multidão, realiza alguns atos simbólicos e a pessoa recupera sua capacidade de ouvir e a habilidade de falar. A tradicional interpretação enfoca nas práticas sacramentais das comunidades primitivas.
Temos mais um episódio que assinala, em primeiro lugar, perda da capacidade de viver a vida na sua plenitude aflige a humanidade inteira, sem distinção nenhuma; em segundo lugar, a restauração da humanidade que Deus efetua na pessoa de Jesus de Nazaré não se delimita por barreira nenhuma. A missão do Nazareno tem um objetivo amplo: formar homens e mulheres renovados, que possam viver plenamente, na liberdade e responsabilidade. Eis a missão do discípulo missionário cidadão!

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