Jesus de Nazaré, a Boa Notícia para o século 21 (26)
Multiplicar os pães e caminhar sobre as águas (3)
Acabamos de examinar os quatro textos que falam do milagre
de multiplicação dos pães nos quatro evangelhos; agora restou-nos a fazer uma
leitura dos dois textos nos evangelhos de Marcos e Mateus que reportam uma segunda
multiplicação dos pães. Em seguida propomos tirar algumas conclusões oriundas dessa
nossa leitura de todos esses textos para indicar pistas para uma compreensão das
implicações políticas da nossa leitura dentro do horizonte da mudança das
épocas que vivemos.
7. Os textos que narram a segunda multiplicação dos pães se
encontram em Mc 8,1-10 e Mt 15,32-39. De acordo com o Evangelho de Marcos este
segundo milagre se realiza no território pagão. Nestes dois textos não há
nenhum detalhe novo que nós não vimos nas quatro narrativas examinadas até
agora. Resumindo as narrativas: há uma situação de carência; Jesus, movido pela
compaixão age para resolver a situação. Como nas narrativas anteriores, os
discípulos são seus colaboradores no trabalho de constatar a inviabilidade de
aplicar a solução comum capitalista comercial tradicional. Depois, a seu pedido,
eles organizam o povo (a sentar-se em pequenos grupos) para distribuir o pão
“eucaristizado”, de acordo com a necessidade de cada um, evitando que alguém
acumule além do necessário. Todos comeram e ficaram satisfeitos. A sobra, uma
quantia considerável, não é desperdiçada, mas é recolhida. Neste momento Jesus
se afasta dos seus discípulos e da multidão.
8. Já no início do nosso exame deste bloco de textos sobre o
milagre da multiplicação dos pães comentamos que este “milagre” refere à
preocupação que Jesus de Nazaré tinha sobre o como suprir as necessidades básicas
da população Palestinense, vítimas do capitalismo selvagem que o império romano
impunha nessas terras impiedosamente através dos seus mercenários, os notáveis
e os cidadãos de bem, locais.
Vale lembrar de que Jesus depois de ser batizado no Rio Jordão
por João Batista foi tentado no deserto (cf. Mc 1,12-13). Os evangelhos de
Mateus e Lucas têm alguns detalhes das tentações. A tentação de matar a fome,
de qualquer maneira, é a primeira que o rabino de Nazaré enfrentou. Ele recusou
desviar-se do foco da sua missão de instaurar o Reino de Deus, isto é, efetuar
mudanças sociais e politicas radicais recorrendo a meros paliativos dentro do
sistema vigente, como sugeria o tentador. O Nazareno recorreu às Sagradas
Escrituras para sustentar sua posição.
Diante da necessidade de alimentar a multidão num lugar
afastado Jesus e seus discípulos analisam as opções; o jeito capitalista comercial
tradicional de comprar foi descartado como solução inviável; a alternativa do
jeito fraterno, solidário e igualitário vai ser testada; para isso a
reorganização social é necessária. Esta e atarefa da distribuição dos pães e
peixes, após a realização do gesto eucarístico ficaram por conta dos
discípulos. Entretanto, está claro a
necessidade da articulação das ideologias político-econômicas que se baseiam
nos valores do Reino de Deus na realização deste projeto na história.
Das narrativas acima examinadas vimos que o critério usado
na reorganização da multidão sentar-se em grupos pequenos foi: que cada um
recebesse o que precisava e evitar os mais ágeis se apossasse de tudo, deixando
os outros desprovidos. É muito contrário ao que está acontecendo em nosso mundo
atual de abundância, submetido a crescente dominação dos gananciosos que
energiza a onda neoliberal pós-colonial. As experiências “comunistas” e
“socialistas”, tão bem criminalizadas na propaganda imperialista neoliberal,
têm que ser avaliadas desta perspectiva e aperfeiçoadas com novas experiências ainda.
O gesto eucarístico que todos os seis textos aduzem aponta
para a missão das comunidades que celebram a Eucaristia hoje de serem os
agentes dessa transformação social gerando o modo fraterno, solidário e
igualitário de usufruir os recursos abundantes da terra mãe à disposição da
toda a humanidade.
Aqui vale lembrar-se das poucas experiências que as
comunidades primitivas realizaram nessa direção registradas no Livro dos Atos
dos Apóstolos (cf. At 2,42-47; 4,32-35). Para a nossa surpresa logo em seguida aparece
a história de Ananias e Zafira que fraudaram essa prática nova e revolucionária
(cf. At 5,1-11)! Será que “o modo fraudulento” tem que continuar ser a regra?
Não há possibilidade de mudar?
Embora as comunidades dos seguidores de Jesus de Nazaré
tivessem sofrido modificações ao longo da sua longa história, para servir até como
a religião imperial, experiências para pôr em prática o igualitarismo não faltaram
em nenhum momento. Nós mesmos vivemos uma versão original dessa experiência do
igualitarismo aqui no Brasil, nas últimas décadas. O aparato governamental
tradicional serviu para gerar mobilidade social. É verdade que a elite, não só
brasileira, mas globalizada, está aniquilando os fazedores, as lideranças dessa
“revolução”, em operações jurídico-midiáticas fraudulentas bem montadas de
criminalização com aparente sucesso, por enquanto!
Depois desse breve exame dos textos que narram o milagre de
multiplicação dos pães e algumas reflexões práticas, nós vamos examinar o
milagre reportado nos evangelhos em seguida: o de Jesus ir ao encontro dos seus
discípulos caminhando sobre as águas.
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