sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Fake Pope

FAKE POPE
As dores duma Igreja que passa de “sociedade perfeita” para ser o “Povo de Deus a Caminho”.

“Fake Pope” é um livro da autoria de dois jornalistas italianos: Nella Scavo e Roberto Beretta (SP, Paulus, 2018) que examinam as falsas notícias que circulam sobre o Papa Francisco, o personagem inusitado que apareceu na Cátedra de São Pedro na renúncia do Papa Bento XVI e continuamente gera ondas de perplexidade no mundo dos féis acostumados com doutrinas infalíveis e ritualismos tranquilizadores.

Nos 265 páginas deste livro os autores analisam 67 itens de notícias que circulam nos meios de comunicação contra este Bispo de Roma tão diferente. Francisco, vindo de fora de Europa, uma novidade após nove séculos, retoma o espírito de abertura do Vat II, desloca o euro centrismo da Igreja, não se comporta como um colosso infalível, mas como um ser humano igual aos outros, embora tenha uma missão especial: o de ser o Bispo de Roma. De fato, houve um movimento no período após a morte do Papa Paulo VI para levar a igreja de volta para “a cristandade eurocêntrica” que por sua vez, produziu a igreja de hoje, que nas palavras dos teólogos é uma de “teologia do pano e liturgia de fumaça” que o Papa argentino procura desmontar progressivamente.

Desde seus primeiros dias do ministério Petrino Papa Francisco vem incomodando uma boa parte dos católicos com sua chamada para ser “uma igreja em saída”. O novo Bispo de Roma realizou atos simbólicos condizentes a esta proposta sua com a decisão de hospedar-se com os outros na Casa Santa Maria em vez de residir no Palácio Apostólico. Ademais, ele não calça sapatilhas vermelhas, carrega sua bagagem de mão nas suas viagens, na cerimônia de lava-pés de quinta-feira santa incluiu muçulmanos e mulheres, deixando aborrecidos não poucos que zelam das tradições e bons costumes, os cidadãos de bem, de todos os continentes. Inicialmente houve um aumento fascinante na popularidade do Papa argentino. Mas quando apareceram documentos como “Laudato Si’” e “Amoris Laetitia” o mundo empresarial e as sentinelas das doutrinas tradicionais amarguram-se contra Francisco e não esconderam seus sentimentos, de fato efetivamente exercendo a liberdade da expressão que Papa Francisco introduziu na Igreja.

Os autores Nello Scavo e Roberto Beretta organizaram os 67 itens sobre Papa Francisco, que escolheram para sua análise, em onze grupos. O primeiro refere à atuação do Jorge Mario Bergoglio como superior dos Jesuítas na Argentina, assim como seu período de Arcebispo de Buenos Aires. Foi um período assombroso e sangrento na história do seu país; o tempo da ditadura militar desumano. Colaborador, traidor, associado dos comunistas são alguns epítetos favorecidos pelos que expressam sua hostilidade ao Arcebispo Emérito de Buenos Aires, agora o Papa. No entanto, os autores do “Fake Pope” elaboram, com esmero, textos sobre a empreitada do Bergoglio para atravessar as águas turvas durante a idade das trevas na história da sua terra natal e proteger vidas humanas ameaçadas com sucesso considerável.  

Da análise do passado “desaparecido” os autores passam para o processo que fez Begoglio passar a ser Francisco, considerado pelos seus adversários como algo que levou a igreja ter um Papa “Emérito” e outro Papa “Inválido”! Em seguida, os “Vatileaks” são vistos pelos nossos autores como “poderes fortes” ao assalto de Roma; entram agora na cenário contra Francisco os podre-ricos que se sentiram prejudicados pela postura ecológica do Francis; ele é acusado se ser o “maçom” perfeito através de uma manipulação técnica numerológica; ao admitir na “Amoris Laetitia” a necessidade de atualizar as articulações doutrinais sobre a família Francis foi sujeito até a uma “correctio filialis” (correção filial do pai errante pelos filhos) de um grupo obscurantista que incluía até Cardeais.

Em seguida o “Fake Pope” analisa os contraventos que o Pontífice encontrou em sua própria casa; estes referem às questões que vem de longe à espera da solução como a reforma da Cúria Romana, a tumultuosa situação gerada pelo escândalo de pedofilia e má gestão financeira; a contestação doutrinal no meio da realização do Sínodo sobre a Família; as “dúvidas” que este evento e o documento final levantaram na ala fundamentalista, e por fim algumas nomeações arriscadas que Francisco fez e lhe ganhou o epíteto de ditador. Em seguida, os autores avaliam as contestações dos atos simbólicos do Papa argentino na vida pessoal, suas práticas ecumênicas acaloradas demais, como também sua “tépida” defesa dos cristãos perseguidos, no ponto de vista dos seus censores.

Agora os autores passam a examinar as contestações e críticas do Papa Francisco quanto a seu interesse em examinar, à luz da evolução humana alcançada, a doutrina tradicional sobre questões como homo afetividade, gênero, assim chamados grupos “pro-life”, e LGBT. Sua abertura, baseando-se na dignidade da pessoa humana sobre estas questões é considerada pelos seus detratores como arquivamento dos “princípios inegociáveis”. Outra questão que deixa os cidadãos de bem e os guardiões da moral tradicional perplexos é a comunhão eucarística que eles consideram recompensa para os “perfeitos”! Agora vem as observações dos complotistas que veem grande perigo na tentativa do Francisco para transformar a igreja de “cristandade” numa “igreja em saída”. Há intelectuais, feministas e outros como também muitos entre os fiéis que não conseguem entendê-lo, pelo uso que ele faz das ciências humanas. Na verdade, seu chamado de ser “uma igreja em saída” pede o abandono de zonas de conforto tradicionais, algo dificílimo para quem já tem programado sua vida!

Percebe-se que Papa Francisco procura agradar a todos, mas cobra muito da sua comunidade, da Cúria, dos Bispos e presbíteros, e, de fato, muitos deles ficaram sem saber para onde “sair”. Os católicos praticantes, mesmo depois de 50 anos do Vat II, acostumado a uma leitura fundamentalista da Bíblia e vivendo mergulhados no momento atual de neo-devocionismo, que tem a autoridade como critério único não dão conta de administrar a perplexidade que a consciência da historicidade provoca. Na sua opinião Francisco está desmontando todo o pontificado romano, com seus hábitos de pedir bênção dos fiéis, carregar uma simples cruz de ferro em vez de ouro, usar sapatos simples, etc. Houve boatos de Francisco tentar influenciar as eleições presidenciais estadunidenses a favor do Trump, por ele supostamente estar contra aborto”!

Por fim, o que é pior ainda, o imperdoável, na vista dos “puristas”, é Papa Francisco libertar-se das pretensões da sua suposta infalibilidade e opinar “ex tempore” (espontaneamente) e admitir seus erros quando cometem alguns! Contudo, Nello Scavo e Roberto Beretta, os autores do “Fake Pope”, conseguiram retratar as dores duma “igreja em saída”, iluminada pelo Espírito Santo e está procurando saídas. Eles fazem isto pela sua maneira de examinar as críticas feitas ao estilo pastoral do Francisco, o Papa argentino, o Bispo de Roma, o Arcebispo Emérito do Buenos Aires.

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