segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Jesus chama Levi e faz refeição com pecadores

Jesus chama Levi e faz refeição com pecadores

Hoje nós examinaremos um episódio que tem implicações sociais revolucionárias, isto é, o chamado de Levi e a refeição de Jesus de Nazaré com os pecadores (cf. Mc 2,13-17 e seus paralelos).  Este episódio faz parte das atividades de Jesus que o autor de Marcos apresenta como um bloco (cf. Mc 1,40-3,6). Nós já comentamos da intenção do autor de usar este bloco para nos mostrar a reação negativa das autoridades judaicas às atividades do rabino Jesus, a reação que progressivamente culmina na sua decisão de mata-lo (cf. Mc 3,1-6)

O contexto de acontecido é: Jesus continua sua peregrinação anunciando o Reino de Deus na região da Galileia e chegou à beira-mar. Uma multidão o acompanha e ao passar pela coletoria de impostos ele viu Levi, filho de Alfeu sentado à mesa disse-lhe: “Siga-me”. Imediatamente Levi se levantou e seguiu Jesus.
O v.15 fala de Jesus estar à mesa em sua casa na companhia de muitos cobradores de impostos e pecadores além dos seus discípulos. A questão, de Jesus estar na casa de Levi ou na sua própria casa, é muito debatida ainda em nossos dias. No entanto, o importante é que muitos, sem distinção de classes sociais, seguiam Jesus e ele sentava se a mesa com todos eles. 

Mas, os guardiões de bons costumes, os doutores da Lei, do partido dos fariseus, “os cidadãos de bem” começaram a criticar o que Jesus fazia, isto é, praticar comensalidade com os que eram considerados excluídos. É notável que embora a crítica fosse dirigida aos discípulos, é Jesus que rebate: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes. Eu não vim chamar justos, e sim pecadores”.

Como já vimos, Palestina vivia um momento conturbado naquele tempo. O avanço do imperialismo romano, com seus mercenários colaboradores locais brutais, tinha criado um sistema que empobrecia progressivamente a maioria da população Palestinense, beneficiando apenas as elites. O povo comum, desamparado, se atirava para qualquer um que prometia aliviar sua miséria. É neste contexto que Jesus de Nazaré aparece com sua práxis que levantou muitas expectativas. Agora é necessário mencionar que desde sempre os impérios impugnam qualquer sinal de contestação do seu domínio atroz. Atualmente vivemos um desses momentos aqui no Brasil, tão bem evidenciado no abuso de autoridade, manipulação e falsificação dos processos judiciais para eliminar “forma da lei” qualquer resistência contra a injustiça que a elite tradicional pratica.

Os judeus sempre tiveram muito cuidado para não se tornar impuros. Atividades como colaboração com os romanos no trabalho de recolher os impostos era considerada geradora de impureza e a consequente exclusão social. Entretanto a pobreza extrema causou muitos judeus exercerem essa profissão que favorecia os interesses do império romano. Com o chamado de Levi (ou Mateus no Evangelho de Mateus), e fazer refeição com essa classe, Jesus sinaliza que ele rejeita os esquemas que discriminam as pessoas, seja do ponto de vista social ou da religião. Ainda mais surpreendente é que o rabino Jesus forma sua comunidade com essas pessoas desprezadas!

Os detalhes do chamado de Mateus (Levi) no evangelho de Mateus (cf. Mt 9,9-13) são semelhantes ao que temos no texto de Marcos. Porém, há acréscimo: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Os 6,6) o que se torna a chave de interpretação do que Jesus realiza com este gesto e isto deixa os guardiões de ordem estabelecida e “os cidadãos de bem” indignados.

Por sua vez, o texto de Lucas que narra o chamado de Levi tem suas características próprias (cf. Lc 5,27-32). Aqui Levi parece como alguém que comanda os coletores de impostos como Zaqueu (cf. Lc 19,1-10). De acordo com Lucas, é Levi que oferece a refeição a Jesus em sua casa; a sua participação nessa deixa os fariseus enfurecidos.

É necessário explicar que naquele tempo o sistema de arrecadação de impostos era organizado por intermediários a serviço dos romanos ou do governador regional. Este esquema prestava-se a abusos, favorecia e tornava odiosos esses profissionais. Geralmente os cobradores pertenciam à categoria formal de “pecadores”.

Vale lembrar que a santidade que os fariseus promoviam era baseada na separação que garante a pureza. Entre as separações a mais importante é entre “justos e pecadores” (cf. Sl 139,1-22; Pr 29,27). Há indicação inequívoca que mesmo em toda sua preocupação para guardar-se “puros”, essa classe não entendia a Escritura. Eles supunham que a situação que Jesus veio sanar é insanável. Entretanto, sabemos que o primeiro passo, para curar qualquer doença, é reconhecer a doença. Neste contexto a citação de Os 6,6 (Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores) no texto se torna a chave de hermenêutica.

Contudo, gerar mobilidade social sempre, sempre, foi um crime que os guardiões do sistema reinante nunca perdoaram. Jesus de Nazaré foi criticado pelas autoridades porque ele gerou mobilidade social. O episódio de chamado de Levi e a comensalidade que Jesus pratica com ele e seus amigos têm seu paralelo no momento atual da nossa história. E a casa grande, repetindo o que os fariseus fizeram com o Nazareno no seu tempo, procura eliminar “na forma da lei” (muito parcial e seletiva) as lideranças políticas que geraram mobilidade social em nosso país, atrás de uma fachada hipócrita de combater corrupção. É uma conclusão autorizada e inevitável da leitura contextualizada do episódio de chamado de Levi e a comensalidade de Jesus com os “pecadores”.

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