sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Exorcismo na sinagoga de Cafarnaum


Exorcismo na sinagoga de Cafarnaum

     O primeiro milagre de Jesus relatado por Marcos é o da cura de um homem possuído por um espirito impuro na sinagoga de Cafarnaum (Mc 1,21-28). Milagre, de acordo com os dicionários, é um acontecimento fora de comum e impactante. Aqui é necessário recordar o caráter simbólico da linguagem bíblica.  Nós comentamos sobre o papel dos milagres de Jesus na instauração do Reino/Reinado de Deus ao apresentar o bloco de texto de Marcos (1,21-3,35) que falam das reações diversas geradas no meio da população pela atuação de Jesus na região da Galileia e também da decisão das autoridades para matar Jesus. Aqui é necessário dizer que há um campo vasto de estudar, interpretar e compreender quanto a os milagres de Jesus reportados nos evangelhos para superar seu entendimento superficial e poder viver suas implicações em nossa realidade histórica.

Na sua vida pública já era o costume de Jesus de Nazaré usar a palavra no dia de sábado na sinagoga do povoado onde ele se encontrava. Seus ensinamentos já eram conhecidos e apreciados, pois diferente dos doutores da lei, que geralmente repetiam as opiniões dos seus similares para justificar o sistema dominador, o rabino de Nazaré fazia interpretações das leis e dos costumes com autoridade singular para o benefício dos mais fracos e sofridos, o que deixava todos maravilhados pela sua singularidade.

     Nessa ocasião havia um homem possuído na sinagoga. Este começou a contestar a presença de Jesus. O espírito impuro nele conhecia a identidade de Jesus e reclamava do incômodo que ele causava. Jesus não cedeu à pressão que a polêmica gerou, mas expulsou o espírito impuro com autoridade. Foi uma ação poderosa que gerou um momento conflituoso e tenso, pois o texto disse que “o espírito impuro saiu dele, sacudindo-o violentamente e soltando um grande grito”.

     A ação poderosa de Jesus causou grande surpresa na população, visto que era algo muito diferente e inusitado. A população percebeu que Jesus usava sua autoridade para a promoção da vida digna e livre para todos os seres humanos. De fato, a possessão pelos espíritos impuros era algo que até tinha chegado a ser aceito sem questionamento! Essa mentalidade tem seu paralelo na aceitação, quase incontestada, do modelo neocolonialista na forma neoliberal como o único modelo de organização socioeconômico no mundo globalizado por uma boa parte da população em nossos dias. Qualquer um que pretende questionar a hegemonia deste modelo vai receber muita publicidade, nem sempre favorável, a si próprio. É o que aconteceu com Jesus de Nazaré; sua fama se espalhou em todas as partes, em toda a Galileia.

     O texto paralelo deste episódio no Evangelho de Lucas (cf. Lc 4,31-37) tem o mesmo conteúdo, mas com algumas pequenas diferenças nos detalhes. Lucas fala do homem possuído pelo espirito de um demônio impuro, enquanto Marcos falava do homem com um espirito impuro. Em Lucas, a expulsão do demônio causa espanto, em Marcos todos se admiraram com o acontecido.

     O significativo no texto de Evangelho de Lucas é a colocação deste episódio. A cura do possesso vem depois daquele momento de perigo da vida que Jesus correu na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,16-30). Lá Jesus apresentou seu manifesto político, interpreta sua práxis à luz das palavras do Profeta Isaías 61, 1-2. Isto gerou animosidade mortal numa parte dos seus ouvintes contra rabino Jesus e procuraram chaciná-lo, porém ele segue seu caminho ileso, pois seus simpatizantes tinham uma presença maior entre os presentes.

     Dito isso, posso afirmar que há necessidade de expulsar demônios nos dias de hoje. No entanto, será que as peças teatrais montadas na televisão são exorcismos na realidade? Parece-me que resistir à ideologia obscurantista em que “Uma ponte para o futuro” (PMDB 2015) baseou-se para levar o Brasil a idade das trevas é expulsar o espírito impuro em nossos dias!

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