Jesus chama Levi e faz refeição com pecadores
Hoje nós examinaremos um episódio que tem implicações
sociais revolucionárias, isto é, o chamado de Levi e a refeição de Jesus de
Nazaré com os pecadores (cf. Mc 2,13-17 e seus paralelos). Este episódio faz parte das atividades de
Jesus que o autor de Marcos apresenta como um bloco (cf. Mc 1,40-3,6). Nós já comentamos
da intenção do autor de usar este bloco para nos mostrar a reação negativa das
autoridades judaicas às atividades do rabino Jesus, a reação que
progressivamente culmina na sua decisão de mata-lo (cf. Mc 3,1-6)
O contexto de acontecido é: Jesus continua sua peregrinação
anunciando o Reino de Deus na região da Galileia e chegou à beira-mar. Uma
multidão o acompanha e ao passar pela coletoria de impostos ele viu Levi, filho
de Alfeu sentado à mesa disse-lhe: “Siga-me”. Imediatamente Levi se levantou e
seguiu Jesus.
O v.15 fala de Jesus estar à mesa em sua casa na companhia
de muitos cobradores de impostos e pecadores além dos seus discípulos. A
questão, de Jesus estar na casa de Levi ou na sua própria casa, é muito
debatida ainda em nossos dias. No entanto, o importante é que muitos, sem
distinção de classes sociais, seguiam Jesus e ele sentava se a mesa com todos
eles.
Mas, os guardiões de bons costumes, os doutores da Lei, do
partido dos fariseus, “os cidadãos de bem” começaram a criticar o que Jesus
fazia, isto é, praticar comensalidade com os que eram considerados excluídos. É
notável que embora a crítica fosse dirigida aos discípulos, é Jesus que rebate:
“Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes. Eu não vim
chamar justos, e sim pecadores”.
Como já vimos, Palestina vivia um momento conturbado naquele
tempo. O avanço do imperialismo romano, com seus mercenários colaboradores
locais brutais, tinha criado um sistema que empobrecia progressivamente a
maioria da população Palestinense, beneficiando apenas as elites. O povo comum,
desamparado, se atirava para qualquer um que prometia aliviar sua miséria. É
neste contexto que Jesus de Nazaré aparece com sua práxis que levantou muitas
expectativas. Agora é necessário mencionar que desde sempre os impérios impugnam
qualquer sinal de contestação do seu domínio atroz. Atualmente vivemos um
desses momentos aqui no Brasil, tão bem evidenciado no abuso de autoridade,
manipulação e falsificação dos processos judiciais para eliminar “forma da lei”
qualquer resistência contra a injustiça que a elite tradicional pratica.
Os judeus sempre tiveram muito cuidado para não se tornar
impuros. Atividades como colaboração com os romanos no trabalho de recolher os
impostos era considerada geradora de impureza e a consequente exclusão social.
Entretanto a pobreza extrema causou muitos judeus exercerem essa profissão que
favorecia os interesses do império romano. Com o chamado de Levi (ou Mateus no
Evangelho de Mateus), e fazer refeição com essa classe, Jesus sinaliza que ele
rejeita os esquemas que discriminam as pessoas, seja do ponto de vista social
ou da religião. Ainda mais surpreendente é que o rabino Jesus forma sua
comunidade com essas pessoas desprezadas!
Os detalhes do chamado de Mateus (Levi) no evangelho de
Mateus (cf. Mt 9,9-13) são semelhantes ao que temos no texto de Marcos. Porém,
há acréscimo: “Quero misericórdia e não sacrifício” (Os 6,6) o que se torna a
chave de interpretação do que Jesus realiza com este gesto e isto deixa os
guardiões de ordem estabelecida e “os cidadãos de bem” indignados.
Por sua vez, o texto de Lucas que narra o chamado de Levi
tem suas características próprias (cf. Lc 5,27-32). Aqui Levi parece como alguém
que comanda os coletores de impostos como Zaqueu (cf. Lc 19,1-10). De acordo
com Lucas, é Levi que oferece a refeição a Jesus em sua casa; a sua participação
nessa deixa os fariseus enfurecidos.
É necessário explicar que naquele tempo o sistema de
arrecadação de impostos era organizado por intermediários a serviço dos romanos
ou do governador regional. Este esquema prestava-se a abusos, favorecia e
tornava odiosos esses profissionais. Geralmente os cobradores pertenciam à
categoria formal de “pecadores”.
Vale lembrar que a santidade que os fariseus promoviam era
baseada na separação que garante a pureza. Entre as separações a mais
importante é entre “justos e pecadores” (cf. Sl 139,1-22; Pr 29,27). Há
indicação inequívoca que mesmo em toda sua preocupação para guardar-se “puros”,
essa classe não entendia a Escritura. Eles supunham que a situação que Jesus
veio sanar é insanável. Entretanto, sabemos que o primeiro passo, para curar
qualquer doença, é reconhecer a doença. Neste contexto a citação de Os 6,6 (Eu
não vim chamar os justos, mas os pecadores) no texto se torna a chave de
hermenêutica.