Jesus ou os porcos? Uma
leitura de Mc 5,1-20.
Todos os quatro evangelhos canônicos nos contam dos muitos milagres
que Jesus de Nazaré realizou durante sua vida pública. Não
obstante a ideia popular que o milagre é uma subversão das leis da
natureza, um “prodígio”, a terminologia que a Sagrada Escritura
usa para falar dos milagres merece nossa atenção. Um exemplo é a
palavra hebraica “môpēt” e seus cognatos usados no AT que
significa “ato simbólico”. No NT, os sinóticos usam a palavra
grega “dynamis” (ato de poder), João usa “semeion” (sinal) e
o “ergon” (obra); Atos dos Apóstolos usa “teras” (maravilha)
para falar dos “milagres”(At 2,22). A palavra portuguesa
“milagre” vem do latim “miraculum” (algo a ser amirado), que
a Vulgata (a tradução da Bíblia feita por São Jerônimo) usou
para traduzir as palavras que referiam as obras que manifestam o
poder de Deus.
Vivemos um momento de tensão, pois os imperialistas procuram impôr
o capitalismo, em nova roupagem, como o único modelo de organização
econômico-social e des-democratizam as sociedades através de
“lawfare”, no mundo inteiro. Nessa conjuntura, é a nossa
intenção fazer uma leitura do texto de Mc 5,1-20 que conta de um
ato poderoso de Jesus de Nazaré em prol de um ser humano possuído e
a reação dos seus conterrâneos.
A narrativa começa com a chegada de Jesus de barca a terra dos
Gerasenos (v.1); ao desembarcar veio um homem possuído ao seu
encontro, se ajoelhou aos pés de Jesus, clamando em alta voz: “O
que queres de mim, Jesus, Filho de Deus? Eu te imploro que não me
atormentes”. De fato, Jesus já estava ordenando que o espírito
impuro saísse ele. O Nazareno, agora, lhe pergunta: “Qual é seu
nome?” “Legião é meu nome, porque somos muitos” responde o
possuído. Vale lembrar que “Legião” era o nome das unidades
militares do império romano que ocupava Palestina naquele tempo. Uma
vez que perceberam que não dominariam o Rabino de Nazaré, os
espíritos começam a suplicar-lhe com insistência que não os
expulsasse para longe da região.
Havia uma grande manada de porcos (a aversão que os judeus têm por
este animal é bem conhecida) pastando na montanha e é para estes
que os espíritos impuros queriam ser transferidos, o que Jesus
permitiu. Só é que logo a manada toda (uns dois mil) se lançou no
mar e afogou-se. Vendo isso seus cuidadores fugiram para dar a
notícia na cidade e nos campos.
O acontecido mexeu com a população da região e as pessoas foram
averiguar o acontecido. Viram Jesus e o que “era o endemoninhado
sentado, vestido e no seu perfeito juízo, aquele mesmo que estivera
possuído pela Legião. Ficaram com medo” (v.15). As testemunhas
contaram-lhes o que tinha acontecido com o homem possuído e os
porcos. Então começaram a pedir a Jesus que ele saísse do
território deles. Essa rejeição de Jesus e o Reino de Deus
(sociedade solidária) que ele anunciava, na terra pagã, vem na
sequência, depois da decisão das autoridades para matá-lo (cf. Mc
3,1-6) e o desacordo dos seus familiares com suas atividades (cf. Mc
3,20-21).
Quando Jesus entrou na barca o homem que tinha sido endemoninhado
pediu que o deixasse ficar com ele, mas o Rabino não o deixou, porém
lhe deu uma tarefa: a de anunciar ao seu povo a Boa Notícia de tudo
o que o Senhor fez por ele. Ele partiu e começou o anúncio na
região de Decápole. E todos ficavam maravilhados.
É interessante indagar sobre a implicação da leitura deste
perícope em nosso contexto, dado a natureza simbólica da linguagem
bíblica? O representante do império, o possuído, procura dominar o
Nazareno chamando-o pelo nome e com sua gritaria: “O que queres...”
(v. 7). Mas Jesus, pelo contrário, exerce poder maior ao exigir que
o espírito impuro se identifique. Em seguida expulsa o espírito
impuro, restaura a integridade do possuído; no entanto, é paradoxal
– os habitantes da região preferiram ficar com seus porcos sem se
importar com a restauração da vida plena a um dos seus
conterrâneos!J
Nenhum comentário:
Postar um comentário