sexta-feira, 27 de julho de 2018

 Jesus ou os porcos? Uma leitura de Mc 5,1-20.


Todos os quatro evangelhos canônicos nos contam dos muitos milagres que Jesus de Nazaré realizou durante sua vida pública. Não obstante a ideia popular que o milagre é uma subversão das leis da natureza, um “prodígio”, a terminologia que a Sagrada Escritura usa para falar dos milagres merece nossa atenção. Um exemplo é a palavra hebraica “môpēt” e seus cognatos usados no AT que significa “ato simbólico”. No NT, os sinóticos usam a palavra grega “dynamis” (ato de poder), João usa “semeion” (sinal) e o “ergon” (obra); Atos dos Apóstolos usa “teras” (maravilha) para falar dos “milagres”(At 2,22). A palavra portuguesa “milagre” vem do latim “miraculum” (algo a ser amirado), que a Vulgata (a tradução da Bíblia feita por São Jerônimo) usou para traduzir as palavras que referiam as obras que manifestam o poder de Deus.
Vivemos um momento de tensão, pois os imperialistas procuram impôr o capitalismo, em nova roupagem, como o único modelo de organização econômico-social e des-democratizam as sociedades através de “lawfare”, no mundo inteiro. Nessa conjuntura, é a nossa intenção fazer uma leitura do texto de Mc 5,1-20 que conta de um ato poderoso de Jesus de Nazaré em prol de um ser humano possuído e a reação dos seus conterrâneos.
A narrativa começa com a chegada de Jesus de barca a terra dos Gerasenos (v.1); ao desembarcar veio um homem possuído ao seu encontro, se ajoelhou aos pés de Jesus, clamando em alta voz: “O que queres de mim, Jesus, Filho de Deus? Eu te imploro que não me atormentes”. De fato, Jesus já estava ordenando que o espírito impuro saísse ele. O Nazareno, agora, lhe pergunta: “Qual é seu nome?” “Legião é meu nome, porque somos muitos” responde o possuído. Vale lembrar que “Legião” era o nome das unidades militares do império romano que ocupava Palestina naquele tempo. Uma vez que perceberam que não dominariam o Rabino de Nazaré, os espíritos começam a suplicar-lhe com insistência que não os expulsasse para longe da região.
Havia uma grande manada de porcos (a aversão que os judeus têm por este animal é bem conhecida) pastando na montanha e é para estes que os espíritos impuros queriam ser transferidos, o que Jesus permitiu. Só é que logo a manada toda (uns dois mil) se lançou no mar e afogou-se. Vendo isso seus cuidadores fugiram para dar a notícia na cidade e nos campos.
O acontecido mexeu com a população da região e as pessoas foram averiguar o acontecido. Viram Jesus e o que “era o endemoninhado sentado, vestido e no seu perfeito juízo, aquele mesmo que estivera possuído pela Legião. Ficaram com medo” (v.15). As testemunhas contaram-lhes o que tinha acontecido com o homem possuído e os porcos. Então começaram a pedir a Jesus que ele saísse do território deles. Essa rejeição de Jesus e o Reino de Deus (sociedade solidária) que ele anunciava, na terra pagã, vem na sequência, depois da decisão das autoridades para matá-lo (cf. Mc 3,1-6) e o desacordo dos seus familiares com suas atividades (cf. Mc 3,20-21).
Quando Jesus entrou na barca o homem que tinha sido endemoninhado pediu que o deixasse ficar com ele, mas o Rabino não o deixou, porém lhe deu uma tarefa: a de anunciar ao seu povo a Boa Notícia de tudo o que o Senhor fez por ele. Ele partiu e começou o anúncio na região de Decápole. E todos ficavam maravilhados.

É interessante indagar sobre a implicação da leitura deste perícope em nosso contexto, dado a natureza simbólica da linguagem bíblica? O representante do império, o possuído, procura dominar o Nazareno chamando-o pelo nome e com sua gritaria: “O que queres...” (v. 7). Mas Jesus, pelo contrário, exerce poder maior ao exigir que o espírito impuro se identifique. Em seguida expulsa o espírito impuro, restaura a integridade do possuído; no entanto, é paradoxal – os habitantes da região preferiram ficar com seus porcos sem se importar com a restauração da vida plena a um dos seus conterrâneos!J

Nenhum comentário:

Postar um comentário