Um novo DOUTOR da Igreja de nossos
dias?
“Doutor” é um título que vem do
verbo Latim “docere” (=ensinar) conferido a uma pessoa de reconhecida
importância nos campos de conhecimentos. Hoje as universidades têm seus
procedimentos antes que alguém seja reconhecido como Doutor. Entretanto é uma
tradição que existe na Igreja Católica desde primeiros séculos intitular
aqueles que contribuem significativamente ao desenvolvimento do pensamento
cristão como Doutores da Igreja. Hoje são menos de 40 em número.
Ultimamente há um movimento que pede
o Papa a declarar Pe. Pierre Teilhard de Chardin S.J (1881-1955), Doutor da
Igreja pela sua contribuição original no diálogo entre ciência e a religião.
Ele era um jesuíta francês, teólogo, filosofo e paleontólogo. Ele participou
nalgumas das expedições mais importantes do século passado; o resultado foi uma
produção abundante de obras que procuram sintetizar o que a revelação divina
ensina com as intuições científicas do seu tempo. Por força das circunstâncias suas
obras foram publicadas só postumamente. Entretanto suas ideias influenciaram
decisivamente o Concílio Vaticano II e essas ideias continuam influenciando
pensadores ainda em nossos dias.
Para falar da contribuição admirável de
Teilhard de Chardin: a teoria de evolução, em desenvolvimento naquele tempo,
recebe uma amplitude universal, físico e psíquico, no seu pensamento. O
processo evolutivo possui um sentido que culminará no ponto “Ômega”. Será o
momento em que toda a natureza retornará a Deus, ecoando o pensamento de
Apóstolo Paulo (cf.1Cor 15,28). Todos os homens, enquanto pessoas promoverão a
união no hiperpessoal por meio da energia do amor. Neste processo há momentos
especiais, nos quais autênticos saltos qualitativos onde algo novo irrompe e
aparece. O aparecimento da vida, a biosfera, foi tal momento. É um processo
contínuo que no homem assume um revestimento manifestadamente perceptível.
A afirmação teológica da criação do
mundo não exclui a evolução biológica. De fato, a evolução sempre pressupõe a
criação. A significação e o sentido da vida humana é um processo que prossegue
até o Ponto Ômega. A identidade do homem consiste na sua transcendência em
relação ao mundo e também na sua ligação ao mundo. O homem é capaz de agir para
vencer as determinações naturais, ao mesmo tempo o fenômeno humano é histórico
e temporal.
O lampejo da consciência (noosfera)
para Teilhard é uma nova idade. As características do dinamismo evolutivo
interior são: 1) de ‘tudo’ centrar parcialmente à sua volta; 2) de poder
centrar-se cada vez ‘mais’ sobre si mesma; 3) de ser levada, por esta
supercentração a unir-se a todos os outros que se rodeiam. Para o pensador
francês, afirmar que estar centrado sobre si mesmo reflete o contrário de Todo
e que o Todo absorve o que é singular anulando-o, é uma asserção falsa.
Outro conceito meritório no
pensamento deste jesuíta é o super/ hiperpesonalização. Essa é uma construção
por meio dos prolongamentos de nosso ser e da noosfera (=o mundo virtual). Por
certo, essa união vai acentuar a profundidade e a incomunicabilidade do ser
humano. Tal união dos seres humanos reflete o itinerário do ser humano a Deus.
O universo, afirma ele, está em busca de Deus, em Jesus, o Ponto ômega de
processo de evolução.
É importante notar que a
constituição do “Ponto Ômega” representa o cume da evolução, entretanto este
ponto não se forma a partir da fusão ou eliminação dos centros particulares. É
um centro distinto, o máximo atingido sem mescla e simultaneamente sob a
influência de um foco, uma união supremamente autônoma. O individualismo,
qualquer noção de superioridade, ou privilégio de alguns é descartada nessa
megasíntese espiritual que gera o espírito da terra.
Esse projeto de Teilhard assustou
seus superiores na Companhia de Jesus ele foi demitido de docência no Instituto
Cathólico de Paris em 1922 e proibido publicar suas obras. Depois disso ele
participou em algumas expedições científicas, continuou escrevendo, porém na
ausência de revisão por pares das suas teorias não receberam ulteriores
modificações necessárias para hipóteses amadurecerem.
Nem por isso suas ideias deixaram
influenciar o mundo. Diante disso o Papa Pio XII publicou a encíclica “Humani
generis” (1950), defendendo uma posição doutrinária fundamentalista, amparada
na filosofia escolástica decadente, sobre questões como a criação do ser humano
e o pecado original.
No ano 1962, a antiga Inquisição,
hoje a Congregação da Doutrina da Fé, promulgou um “Monitum” (=advertência)
contra a crescente influência das ideias do padre Teilhard. Apesar de tudo isso
a constituição dogmática “Gaudium et Spes” (=As alegrias e as esperanças) que
marca uma virada radical na vida da Igreja Católica reflete a influência das
ideias de Pierre Teilhard de Chardin no Concilio Vaticano II (1962-1965).
Na ocasião da celebração do
centenário do nascimento em 1981, Cardeal Secretário do Estado do Vaticano
escreveu uma carta, com a anuência do Papa João Paulo II, enaltecendo as
contribuições do Teilhard de Chardin ao progresso do pensamento humano, ao
Reitor do Instituto Católico de Paris, onde se realizavam as solenidades do
centenário.
Desde a conclusão do Concílio
Vaticano II os Papas Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco têm
assinalado a importância da contribuição de Teilhard para a igreja sair da
mentalidade de sitiada para abraçar o mundo em que ela é inserida a partir de
uma visão positiva das realidades temporais terrenas.
É digno de nota que na sua
encíclica Laudato Si’... (2015) Papa Francisco, ao falar do destino final do
universo (parágrafo 83), faz referência ao reconhecimento da contribuição do
Teilhard de Chardin nesta questão que seus predecessores expressaram em
diversas ocasiões em nota 53.
A intuição original de Teilhard de
Chardin nasceu na época em que os povos europeus massacravam uns aos outros
motivados pela ganância irrestrita. A reconciliação posterior entre os povos, o
Cristo centrismo gerado pelo Vat II e a consciência cósmica que impregnou a
história da segunda metade do século XX confirmam a validade da intuição
unitiva do cientista francês.
Ao mesmo tempo, percebe-se hoje a
volta das mesmas forças obscurantistas na forma de colonialismo sofisticado
imposto pelo neoliberalismo globalizado. Será que a declaração de Pierre
Teilhard de Chardin como Doutor da Igreja não poderia gerar forças para superar
o negativo por meio da divulgação mais ampla das suas ideias que tal passo
acarreta?