segunda-feira, 30 de julho de 2018

Pierre Teilhard de Chardin S.J. (1881-1955)



Um novo DOUTOR da Igreja de nossos dias?

“Doutor” é um título que vem do verbo Latim “docere” (=ensinar) conferido a uma pessoa de reconhecida importância nos campos de conhecimentos. Hoje as universidades têm seus procedimentos antes que alguém seja reconhecido como Doutor. Entretanto é uma tradição que existe na Igreja Católica desde primeiros séculos intitular aqueles que contribuem significativamente ao desenvolvimento do pensamento cristão como Doutores da Igreja. Hoje são menos de 40 em número.

Ultimamente há um movimento que pede o Papa a declarar Pe. Pierre Teilhard de Chardin S.J (1881-1955), Doutor da Igreja pela sua contribuição original no diálogo entre ciência e a religião. Ele era um jesuíta francês, teólogo, filosofo e paleontólogo. Ele participou nalgumas das expedições mais importantes do século passado; o resultado foi uma produção abundante de obras que procuram sintetizar o que a revelação divina ensina com as intuições científicas do seu tempo. Por força das circunstâncias suas obras foram publicadas só postumamente. Entretanto suas ideias influenciaram decisivamente o Concílio Vaticano II e essas ideias continuam influenciando pensadores ainda em nossos dias.

 Para falar da contribuição admirável de Teilhard de Chardin: a teoria de evolução, em desenvolvimento naquele tempo, recebe uma amplitude universal, físico e psíquico, no seu pensamento. O processo evolutivo possui um sentido que culminará no ponto “Ômega”. Será o momento em que toda a natureza retornará a Deus, ecoando o pensamento de Apóstolo Paulo (cf.1Cor 15,28). Todos os homens, enquanto pessoas promoverão a união no hiperpessoal por meio da energia do amor. Neste processo há momentos especiais, nos quais autênticos saltos qualitativos onde algo novo irrompe e aparece. O aparecimento da vida, a biosfera, foi tal momento. É um processo contínuo que no homem assume um revestimento manifestadamente perceptível.

A afirmação teológica da criação do mundo não exclui a evolução biológica. De fato, a evolução sempre pressupõe a criação. A significação e o sentido da vida humana é um processo que prossegue até o Ponto Ômega. A identidade do homem consiste na sua transcendência em relação ao mundo e também na sua ligação ao mundo. O homem é capaz de agir para vencer as determinações naturais, ao mesmo tempo o fenômeno humano é histórico e temporal.

O lampejo da consciência (noosfera) para Teilhard é uma nova idade. As características do dinamismo evolutivo interior são: 1) de ‘tudo’ centrar parcialmente à sua volta; 2) de poder centrar-se cada vez ‘mais’ sobre si mesma; 3) de ser levada, por esta supercentração a unir-se a todos os outros que se rodeiam. Para o pensador francês, afirmar que estar centrado sobre si mesmo reflete o contrário de Todo e que o Todo absorve o que é singular anulando-o, é uma asserção falsa.

Outro conceito meritório no pensamento deste jesuíta é o super/ hiperpesonalização. Essa é uma construção por meio dos prolongamentos de nosso ser e da noosfera (=o mundo virtual). Por certo, essa união vai acentuar a profundidade e a incomunicabilidade do ser humano. Tal união dos seres humanos reflete o itinerário do ser humano a Deus. O universo, afirma ele, está em busca de Deus, em Jesus, o Ponto ômega de processo de evolução.

É importante notar que a constituição do “Ponto Ômega” representa o cume da evolução, entretanto este ponto não se forma a partir da fusão ou eliminação dos centros particulares. É um centro distinto, o máximo atingido sem mescla e simultaneamente sob a influência de um foco, uma união supremamente autônoma. O individualismo, qualquer noção de superioridade, ou privilégio de alguns é descartada nessa megasíntese espiritual que gera o espírito da terra.

Esse projeto de Teilhard assustou seus superiores na Companhia de Jesus ele foi demitido de docência no Instituto Cathólico de Paris em 1922 e proibido publicar suas obras. Depois disso ele participou em algumas expedições científicas, continuou escrevendo, porém na ausência de revisão por pares das suas teorias não receberam ulteriores modificações necessárias para hipóteses amadurecerem.

Nem por isso suas ideias deixaram influenciar o mundo. Diante disso o Papa Pio XII publicou a encíclica “Humani generis” (1950), defendendo uma posição doutrinária fundamentalista, amparada na filosofia escolástica decadente, sobre questões como a criação do ser humano e o pecado original.

No ano 1962, a antiga Inquisição, hoje a Congregação da Doutrina da Fé, promulgou um “Monitum” (=advertência) contra a crescente influência das ideias do padre Teilhard. Apesar de tudo isso a constituição dogmática “Gaudium et Spes” (=As alegrias e as esperanças) que marca uma virada radical na vida da Igreja Católica reflete a influência das ideias de Pierre Teilhard de Chardin no Concilio Vaticano II (1962-1965).

Na ocasião da celebração do centenário do nascimento em 1981, Cardeal Secretário do Estado do Vaticano escreveu uma carta, com a anuência do Papa João Paulo II, enaltecendo as contribuições do Teilhard de Chardin ao progresso do pensamento humano, ao Reitor do Instituto Católico de Paris, onde se realizavam as solenidades do centenário.

Desde a conclusão do Concílio Vaticano II os Papas Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco têm assinalado a importância da contribuição de Teilhard para a igreja sair da mentalidade de sitiada para abraçar o mundo em que ela é inserida a partir de uma visão positiva das realidades temporais terrenas.

É digno de nota que na sua encíclica Laudato Si’... (2015) Papa Francisco, ao falar do destino final do universo (parágrafo 83), faz referência ao reconhecimento da contribuição do Teilhard de Chardin nesta questão que seus predecessores expressaram em diversas ocasiões em nota 53.

A intuição original de Teilhard de Chardin nasceu na época em que os povos europeus massacravam uns aos outros motivados pela ganância irrestrita. A reconciliação posterior entre os povos, o Cristo centrismo gerado pelo Vat II e a consciência cósmica que impregnou a história da segunda metade do século XX confirmam a validade da intuição unitiva do cientista francês.

Ao mesmo tempo, percebe-se hoje a volta das mesmas forças obscurantistas na forma de colonialismo sofisticado imposto pelo neoliberalismo globalizado. Será que a declaração de Pierre Teilhard de Chardin como Doutor da Igreja não poderia gerar forças para superar o negativo por meio da divulgação mais ampla das suas ideias que tal passo acarreta?

sexta-feira, 27 de julho de 2018

 Jesus ou os porcos? Uma leitura de Mc 5,1-20.


Todos os quatro evangelhos canônicos nos contam dos muitos milagres que Jesus de Nazaré realizou durante sua vida pública. Não obstante a ideia popular que o milagre é uma subversão das leis da natureza, um “prodígio”, a terminologia que a Sagrada Escritura usa para falar dos milagres merece nossa atenção. Um exemplo é a palavra hebraica “môpēt” e seus cognatos usados no AT que significa “ato simbólico”. No NT, os sinóticos usam a palavra grega “dynamis” (ato de poder), João usa “semeion” (sinal) e o “ergon” (obra); Atos dos Apóstolos usa “teras” (maravilha) para falar dos “milagres”(At 2,22). A palavra portuguesa “milagre” vem do latim “miraculum” (algo a ser amirado), que a Vulgata (a tradução da Bíblia feita por São Jerônimo) usou para traduzir as palavras que referiam as obras que manifestam o poder de Deus.
Vivemos um momento de tensão, pois os imperialistas procuram impôr o capitalismo, em nova roupagem, como o único modelo de organização econômico-social e des-democratizam as sociedades através de “lawfare”, no mundo inteiro. Nessa conjuntura, é a nossa intenção fazer uma leitura do texto de Mc 5,1-20 que conta de um ato poderoso de Jesus de Nazaré em prol de um ser humano possuído e a reação dos seus conterrâneos.
A narrativa começa com a chegada de Jesus de barca a terra dos Gerasenos (v.1); ao desembarcar veio um homem possuído ao seu encontro, se ajoelhou aos pés de Jesus, clamando em alta voz: “O que queres de mim, Jesus, Filho de Deus? Eu te imploro que não me atormentes”. De fato, Jesus já estava ordenando que o espírito impuro saísse ele. O Nazareno, agora, lhe pergunta: “Qual é seu nome?” “Legião é meu nome, porque somos muitos” responde o possuído. Vale lembrar que “Legião” era o nome das unidades militares do império romano que ocupava Palestina naquele tempo. Uma vez que perceberam que não dominariam o Rabino de Nazaré, os espíritos começam a suplicar-lhe com insistência que não os expulsasse para longe da região.
Havia uma grande manada de porcos (a aversão que os judeus têm por este animal é bem conhecida) pastando na montanha e é para estes que os espíritos impuros queriam ser transferidos, o que Jesus permitiu. Só é que logo a manada toda (uns dois mil) se lançou no mar e afogou-se. Vendo isso seus cuidadores fugiram para dar a notícia na cidade e nos campos.
O acontecido mexeu com a população da região e as pessoas foram averiguar o acontecido. Viram Jesus e o que “era o endemoninhado sentado, vestido e no seu perfeito juízo, aquele mesmo que estivera possuído pela Legião. Ficaram com medo” (v.15). As testemunhas contaram-lhes o que tinha acontecido com o homem possuído e os porcos. Então começaram a pedir a Jesus que ele saísse do território deles. Essa rejeição de Jesus e o Reino de Deus (sociedade solidária) que ele anunciava, na terra pagã, vem na sequência, depois da decisão das autoridades para matá-lo (cf. Mc 3,1-6) e o desacordo dos seus familiares com suas atividades (cf. Mc 3,20-21).
Quando Jesus entrou na barca o homem que tinha sido endemoninhado pediu que o deixasse ficar com ele, mas o Rabino não o deixou, porém lhe deu uma tarefa: a de anunciar ao seu povo a Boa Notícia de tudo o que o Senhor fez por ele. Ele partiu e começou o anúncio na região de Decápole. E todos ficavam maravilhados.

É interessante indagar sobre a implicação da leitura deste perícope em nosso contexto, dado a natureza simbólica da linguagem bíblica? O representante do império, o possuído, procura dominar o Nazareno chamando-o pelo nome e com sua gritaria: “O que queres...” (v. 7). Mas Jesus, pelo contrário, exerce poder maior ao exigir que o espírito impuro se identifique. Em seguida expulsa o espírito impuro, restaura a integridade do possuído; no entanto, é paradoxal – os habitantes da região preferiram ficar com seus porcos sem se importar com a restauração da vida plena a um dos seus conterrâneos!J